sábado, 31 de agosto de 2013

O Intendente e os Patos-Bravos - uma carta de Abraão Forjaz


(Carta recentemente descoberta, do espólio de Abraão Forjaz, dirigida ao seu amigo Visconde da Ribeira Seca).

Meu caro Visconde, muita água tem corrido por baixo da ponte desde que o enviaram aí para o Brasil, como inspetor dos negócios de Pau Brasil.
Como sabe, há muito que Sua Majestade se demitiu da governaçom do Reyno, (como se escrevia antes do acordo ortográfico) deixando todo o poder nas mãos do nosso santo e sábio Intendente. Dizem que vai por aí uma crise dos diabos, mas o certo é que temos herói na coisa pública. Dizem que há por aí gente a passar fome de cão mas todos os dias o nosso Intendente aparece nos noticiários, distribuindo sorrisos e estórias de embalar.
Os patos bravos seguem-no para todo o lado; são como moscas.
Alguns dizem que o Intendente é um homem do povo; que subiu a pulso. Dizem ainda que é um homem sensível, dedicado à sua missão, sábio, desinteressado… enfim, meu caro visconde, só falta que o coloquem em cima de um andor e lhe façam uma procissão.
Pois, e não será isso verdade? perguntará o amigo Visconde.
De todo, como diria a tia do Estoril. De todo. O homem é um nabo, para ser direto. O que acontece é que anda na moda, que é como quem diz, cultiva a imagem. Veste bons fatos e penteia-se bem, dirá o Visconde. Olhe que não, olhe que não, responderia o Cunhal que Deus tem. O pior é que a imagem a que me refiro não é bem isso; é a arte global de convencer os patos bravos a segui-lo até pertinho da falésia; até que ele, em pessoa, surja em cima da dita cuja falésia, como um Cristo-Rei (ou Corcovado como aí se diz) glorioso e triunfal, enquanto os patos bravos, embalados por ele, não conseguirão travar e se esbardalharão por completo falésia abaixo.
Então e a lei? Perguntará o amigo Visconde. A lei, meu caro, tem sido o maior motivo de divertimento. O nosso Intendente, no alto da sua sapiência inventou um expediente infalível: sempre que lhe dizem que a lei não permite isto ou aquilo, faz beicinho, arrota a bafio, deixa correr o ranho pelo nariz afora e, comovidos, os patos bravos oferecem-se em sacrifício no altar da Pátria.


(O autor deste blogue limita-se a publicar a carta sem qualquer alteração, omissão ou acrescento, não se responsabilizando por qualquer eventual semelhança em relação à realidade atual).

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O Guarani - José de Alencar


Sinopse:
José de Alencar, um dos grandes patriarcas da literatura brasileira, pelo volume e mensagem de sua obra, deu à ficção produzida no século XIX, um tratamento monumental. Escritor romântico, enfocou os mais importantes aspetos da nossa realidade: o índio e o branco; a cidade e o campo; o sertão e o litoral. A presente obra, que lhe granjeou popularidade ao ser lançado em folhetim, era lido avidamente, até nas ruas, à luz dos lampiões. O romance conta a história de amor entre o índio Peri e a moça branca Ceci, tendo como cenário o Brasil do século XVII.

Comentário:
Ler José de Alencar é regressar ao mais genuíno romantismo literário oitocentista. “Está cheio de clichés”, poderá afirmar o leitor desprevenido; no entanto, aquilo a que hoje chamamos clichés da literatura romântica eram, naquela época, o segredo do sucesso: as paixões exacerbadas e a tragédia a que muitas vezes conduziam; tragédia ou felicidade suprema; a supervalorização do meio natural… Não havia lugar a meios-termos nem meias tintas.
A maior parte do livro é dominada por um tom bastante benévolo perante, por um lado, a bondade cristã dos colonizadores portugueses e a bondade natural dos Guaranis. Mau grado a existência de personagens realmente maléficos como o italiano e ex-frade Loredano, eles são sempre vistos como exceções à regra; uma espécie de ovelhas tresmalhadas. Assim, na maior parte do enredo, o leitor deixa-se levar por descrições idílicas, paixões supremas e uma exemplar figura do fidalgo português que preza a honra acima de tudo. D. António Mariz e aqueles de quem se rodeia são figuras de grande valor literário por representarem essa honradez aristocrática que começava a perder-se no tempo em que Alencar escreveu.
No entanto há um certo tom escatológico que confere à obra, na sua parte final uma aparência de dramalhão, contrastando com o espírito jovial e encantado que domina a primeira parte do livro.
Por todo o livro reina a beleza fantástica e majestosa da natureza; as cores, os sons e até os perigos da floresta amazónica são-nos apresentados de forma realmente idílica, como se de quadros vivos se tratasse. Mas estamos longe das fastidiosas descrições dos escritores realistas; o tom é sempre poético e agradável.
Um dos personagens principais, Peri, o índio Guarani, representa nesta obra o bom selvagem de Rousseau: Alencar partilha da crença no índio puro e bom. Aqueles que se revoltaram contra os portugueses e que, na verdade, eram tremendamente cruéis, não fizeram mais do que defender a sua própria terra, perante o colonizador português que, curiosamente, também é visto de forma positiva por Alencar. Ou seja: não há “maus”; não há personagens pérfidos a não ser essa figura terrível que escapa a toda a moral (seja divina ou natural), que é Loredano; ele é uma espécie de encarnação do demónio.
Um dos aspetos mais marcantes em Alencar é uma religiosidade profunda, ingénua, que mesmo assim não deixa de envolver um admirável espírito de tolerância perante as crenças e a cultura dos indígenas.
“O pensamento é a arma mais poderosa que Deus deu ao homem, e que com ela se abatem os inimigos, se quebra o ferro, se doma o fogo, e se vence por essa força irresistível e providencial que manda ao espírito dominar a matéria.”

terça-feira, 27 de agosto de 2013

História de Duas Cidades - Charles Dickens

Sinopse
Ao fim de dezoito anos de prisão na Bastilha como prisioneiro político, o envelhecido Dr. Manette é libertado e parte para a Inglaterra, onde volta a encontrar a filha. Aí, dois homens, Charles Darnay, um aristocrata francês exilado, e Sydney Carton, um advogado brilhante mas de má reputação, apaixonam-se por Lucie Manette. Das ruas pacíficas de Londres, são levados para a Paris do Reino do Terror, onde a sombra fatal da guilhotina abarca tudo e todos.

Comentário:
Talvez só Victor Hugo tenha trasposto a Revolução Francesa para a literatura de ficção de forma tão fiel e emocionante como o fez Charles Dickens nesta obra. O enredo desenvolve-se em duas cidades, Londres e Paris e por detrás de todos os acontecimentos está esta tremenda verdade: as injustiças sociais que conduziram à grande revolução não eram específicas de França; elas existiam da mesma forma em Londres porque o sofrimento dos injustiçados é universal.
O que mais impressiona neste livro é este desmascarar das injustiças e a justificação das terríveis e sangrentas vinganças que marcaram aqueles anos de finais do século XVIII. Mas mais admirável é ainda o facto de este livro ter sido escrito em 1859, antes do surgimento das teorias socialistas. Na verdade, as ideias de Dickens podem, neste livro, ser consideradas percursoras do socialismo, tal é a preocupação com o desmascarar de tais injustiças.
No entanto, não se pense que estamos perante uma obra de cariz ideológico; pelo contrário, o autor consegue “ver os dois lados” a apontar o dedo às outras injustiças: as que se cometeram no período do terror, em que a vingança (neste livro personificada como a personagem Vingança) assume uma matriz de violência extrema, da qual foram vítimas muitos inocentes, em nome dos belos ideais da Revolução.
Pelo meio fica a inevitável estória de amor. Mas mesmo nesse aspeto, tão sujeito aos clichés da literatura oitocentista, Dickens não deixa de nos presentear com aquilo que, na minha opinião há de mais encantador na sua escrita: a caracterização das personagens; desde o bondoso Lorry, um velho e amável banqueiro até à impiedosa Madame Defarge, a imagem terrífica do mais cruel jacobinismo, desfilam personagens tipo, todas elas cheias de significado na representação global da alma humana: o magnífico e heroico Sidney Carton, que dá a vida para salvar os que ama, a singela Lucie, a imagem da ingenuidade imaculada e Charles Darnay, um herói quase imbecil, um homem de bom caráter mas incapaz de se opor à fúria dos tempos e dos homens.
Exposto o que de mais genial tem este livro, não posso deixar de apontar um defeito que, num autor como Dickens, é algo estranho: a imensa quantidade de coincidências que tornam o enredo francamente “impossível”. Alguns dos personagens cruzam-se de forma completamente impensável, em situações inimagináveis.
O final do livro é constituído por algumas páginas de arte em estado puro. Algumas das páginas mais belas que até hoje se escreveram. Simplesmente magistral.
Enfim, um livro de leitura fácil e apaixonante que me ajuda a cimentar a convicção que venho formando há uns anos: a literatura oitocentista é verdadeiramente apaixonante. Embora com grandes e honrosas exceções (Fitzgerald, Joyce, Mann, Murakami, Auster, Kafka, etc.), o século XX, a meu ver, não superou a centúria grandiosa que o precedeu. Mas isso será assunto para outros escritos…

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Os Filhos da Meia-Noite - Salman Rushdie


Sinopse:
A história da Índia no século XX narrada em chave de realismo fantástico. Assim pode ser descrito o romance Os filhos da meia-noite, de 1980, que rendeu a Salman Rushdie o Booker Prize de 1981 e o Booker of Bookers Prize, em 1993, conferido ao melhor livro publicado durante os primeiros 25 anos do mais importante prêmio literário britânico.
O muçulmano de família abastada Salim Sinai, que narra em primeira pessoa a sua história, nasceu em Bombaim à meia-noite de 15 de agosto de 1947, no instante em que a Índia se tornava uma nação independente. A trajetória de Salim estará ligada à complexa e conturbada saga de seu país. Para complicar, ele descobre que foi trocado na maternidade por outro recém-nascido. Na verdade, deveria ser um hindu de família pobre.
Todos os mil e um indianos nascidos entre a meia-noite de 15 de agosto e a uma hora da madrugada de 16 de agosto de 1947 desenvolveram poderes extraordinários; o de Salim é a telepatia, que lhe permite reconstituir a história de sua família desde 1910 e examinar os acontecimentos políticos e culturais da Índia.
Primeiro livro a projetar Rushdie como um dos grandes escritores de nossa época, é considerado por boa parte da crítica o melhor livro já escrito pelo autor.
In http://www.companhiadasletras.com.br

Comentário:
Sem querer, acabei por encontrar um importante ponto de contacto entre os dois livros que li ultimamente: o que têm de comum Os Filhos da Meia Noite e Os Passos Perdidos, de Alejo Carpentier? Coincidência das coincidências, são dois livros marcantes dos alvores do realismo mágico. E são nítidas as influências de Garcia Marquez nesta obra de Rushdie, nomeadamente na estrutura da obra, baseada numa longa saga familiar, para além do estilo.
Neste livro, Rushdie presenteia-nos com uma obra fantástica, cheia de pormenores sobre a história da Índia no século XX.
Este livro, publicado em 1981, precedeu o famoso “Versículos Satânicos” em oito anos. Mas já aqui Rushdie deixa clara a sua tendência para abordar os costumes religiosos numa perspetiva muito crítica, irónica e até bastante mordaz. Exemplo disso é a forma como brinca com o culto das vacas sagradas e a valorização da bosta. Mas não é só o hinduísmo o alvo da crítica; há um padre católico que afirma que Jesus Cristo é azul, justificando: "o importante é evitar o preto e o branco”. O avô de Aziz, por exemplo, odeia as religiões porque ensinam a odiar.
Todo o livro é uma imensa caricatura da Índia e não é só a religião que contribui para a paródia: são os costumes, as injustiças, e até o sofrimento de milhões; são quinhentas páginas de humor negro e sarcástico. Outro exemplo significativo é o costume dos velhos de Bombaim cujo passatempo favorito era cuspir para uma escarradeira a vários metros de distância, enquanto as crianças se divertem passando entre os jatos de expetoração, evitando ser atingidos por elas.
O poder político é outro grande alvo. Os FILHOS DA MEIA NOITE são, afinal, os filhos da Índia livre que Indira Gandhi condenou. De facto, a senhora Gandhi (que governou a Índia de 1966 a 1977 e de 1980 a 1984) é o principal alvo de Rushdie.
Quanto ao herói do livro, Saleem Sinai, não passa de um menino-prodígio tornado vítima da própria Índia e de um conjunto de conflitos totalmente insanos. As guerras com o Paquistão, a Guerra do Bangladesh e os conflitos com a China fazem com que a vida de Sinai nada tenha de autónomo, de individual; tudo se passa como se ele não tivesse vida própria e fosse levado por uma enxurrada de acontecimentos trágicos, de tal forma que a vida não passa de isso mesmo: uma sucessão de desgraças e misérias.
Para o leitor, esta sucessão de desgraças pode tornar-se algo fastidiosa, no entanto, a escrita irónica e o tom de humor que o autor imprime à escrita tornam a leitura agradável e fluida.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Levezinhos mas geniais - o meu TOP 15



C., um amigo deste blog, colocou uma questão muito interessante no comentário ao meu tópico anterior:
"Pode um livro levezinho ser um bom, um ótimo livro?"
Vinha isto a propósito da sondagem sobre o tipo de livro preferido para férias.
Como achei a pergunta muito interessante e pertinente, resolvi dar a resposta neste novo tópico.
Obviamente, acho que sim. E justifico a resposta com o meu top 15 feito à pressa de livros que acho levezinhos e, ao mesmo tempo, livros muito bons.
Passemos então à contagem decrescente:

No 15º lugar, uma obra que passou quase desapercebida em Portugal mas que constitui um thriller excecional, cheio de emoção, no estilo Dan Brown mas bem escrito:
- O Último Catão, de Matilde Asensi

Em 14º, um autor acusado de ser demasiado “levezinho” mas que, na verdade, agarra os leitores com uma arte excecional:
- A Sombra do Vento - Ruiz Zafón

O 13º é um clássico da literatura juvenil; um livro encantador; um livro mágico:
- Ivanhoe, de Sir Walter Scott

No meu 12º posto um clássico da literatura erótica. Só não está nos primeiros lugares desta lista porque é dos menos “levezinhos” mas é um excelente livro:
- O Amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence

Em 11º lugar, mais um clássico da literatura classificada habitualmente (embora de forma errada, a meu ver) como infanto-juvenil. É um livro cheio de emoção e de intrigas palacianas. E também amor e humor:
- Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas

No 10º lugar uma pérola africana de língua portuguesa, onde se conjuga o humor dos meninos da rua com a magia e o perfume de Angola:
- Bom Dia Camaradas, de Ondjaki

Em 9º lugar uma comédia intemporal sobre a política portuguesa. Uma sátira que hoje faz todo o sentido, mesmo cento e tal anos depois de ter sido escrita:
- O Conde de Abranhos, de Eça de Queirós

O oitavo classificado é um livro denso e intenso mas que se lê muito bem. Recordo-me de ter devorado aquelas mais de 700 páginas em 3 dias, tal a forma emocionante como o enredo é exposto:
- A História Secreta, de Donna Tartt                       

Em sétimo lugar um livro que li aos 47 anos mas devia ter lido aos 14. Mas que se deve ler em qualquer idade e de preferência mais que uma vez. É o emocionante e divertido:
- O Conde de Monte-Cristo de Alexandre Dumas

Os livros que coloco em 6º e 5º (a ordem não interessa), são dois dos livros mais hilariantes que li até hoje. São dois clássicos da mais pura comédia. Dois livros para ler e rir até cair para o lado, sobre um cobarde que chegou a herói do exército britânico.
- Flashman, a Odisseia de um Cobarde e Royal Flash, A Odisseia de um Cobarde, de George Mac Donald Fraser 
(continuo à espera do 3º volume da saga do cobarde).

Em 4º lugar, uma comédia romântica deliciosa, leve, divertida. Com o traço de génio de um dos maiores homens do século XX, o enorme Garcia Marquez.
- Gabriel Garcia Marquez - O Amor nos Tempos de Cólera

O meu terceiro classificado, medalha de bronze, é verdadeiramente um livro mágico. Com raízes bem seguras na tradição da magia céltica, é um livro fantástico antes da moda do fantástico. Um livro maravilhoso.
- Jonathan Srange & o Sr. Norrell, de Susanna Clarke

Em 2º Lugar, um livro lindíssimo para quem gosta de uma bela história de amor. Um livro cheio de sensibilidade, escrito numa linguagem “fotográfica”, intenso, quente, lindo…
- As Pontes de Madison County, de Robert James Waller.

E em primeiro lugar, o rato mais espetacular de toda a história da literatura no período pós-Mickey. Ele é o sensacional rato de biblioteca, filho de uma mãe rata bêbada, o mais novo de uma ninhada de 12 que haveria de passar a vida nas estantes de uma biblioteca. Este é o verdadeiro rato de biblioteca, o rato que devorava livros. Literalmente. Ele é o grande:

- Firmin, de Sam Savage

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Sondagem

Aqui ao lado, na coluna direita deste blogue, coloquei durante uns dias uma pequena sondagem sobre as preferências literárias durante as férias.
Resolvi prolongar o período de votação pelas seguintes razões: em tempo de férias o número de frequentadores do blogue diminui bastante,pelo que só contava com 26 votos. Em segundo lugar e, principalmente, porque acho os resultados até ao momento tão surpreendentes que quero ver se eles se confirmam numa votação mais alargada.
Na verdade, acho surpreendente que 70% dos votantes afirmem preferir livros mais reflexivos em tempo de férias. Eu, pelo menos, não esperava tal sentença. Não quer isto dizer que não concorde...

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Os Passos Perdidos - Alejo Carpentier


Sinopse
Um livro estimulante, quase mítico. Representativo daquilo a que o próprio Alejo Carpentier chamou "o real maravilhoso americano", este romance constitui uma busca das origens, a procura de uma Idade de Ouro perdida. A personagem central dispôe-se a subir Orenoco, na Venezuela, em busca de um tempo primordial, tentando assim alcançar as raizes da vida. Desfilam nesta obra os mineiros dos campos de petróleo, os padres missionários, os vaqueiros, os astrólogos, as prostitutas em busca do El Dorado, os índios dos lugares visitados, os espirítos, os rituais, as histórias e os mitos de um tempo em que um homem branco ainda não pisara o continente americano. Para Carpentier, a América é um repto de um "novo mundo" apressadamente entrevisto por viajantes e poetas, poucas vezes correctamente apreendido.
In wook.pt
Comentário:
 Este livro foi, para mim, a maior surpresa dos últimos meses. Nunca tinha ouvido falar do autor e, logicamente, nunca tinha lido nada dele. Peguei nele mais por curiosidade do que por aposta numa leitura agradável e, confesso, por ter lido na contracapa que foi um autor a quem recusaram a atribuição do prémio Nobel por motivos ideológicos.
Mas, no fundo, a ideologia é o que menos se encontra neste livro. Pelo contrário, uma imensa qualidade literária está por todo o lado.
As primeiras páginas podem afastar um leitor mais ávido de enredos emocionantes e narrativas fluidas. Carpentier tem um estilo muito pessoal, muito reflexivo e profundamente artístico. Musical, é o adjetivo que me ocorre para caraterizar esta escrita fluida, ritmada, belíssima. Os olhos percorrem as palavras, as linhas, os enormes parágrafos e o cérebro passeia pela cadência ritmada das frases, a que não é alheia uma excelente tradução da editora Saída de Emergência (ainda por cima com a capa belíssima que vemos acima).
O protagonista, nunca nomeado, descreve na primeira pessoa uma incursão quase heroica pela selva sul-americana, a partir da Venezuela. Trata-se de um estudioso da música, à procura das sonoridades dos instrumentos índios. Mas o objetivo profissional é a apenas o pretexto para uma verdadeira fuga, à procura de algo muito mais importante: a eterna busca da identidade, o exorcizar dos demónios modernos e a procura do mito do Novo Mundo que encantara os seus antepassados. Pelo meio, o protagonista encontrará na expedição diversas ocasiões para reorientar a sua vida amorosa; ou melhor, para dar de caras com todos os seus sonhos e pesadelos. Só a selva lhe permitirá encarar de frente todo o paraíso e todo o inferno.
A América mais profunda é descrita por Carpentier como o Novo Mundo, a terra prometida do ouro e dos diamantes. O homem continua a ser o explorador da natureza, a ave da rapina a que nada pode escapar. A selva, como a vida amorosa do protagonista é a materialização de uma incerteza permanente; um desafio a que o ser humano procura impor-se mas em que, a todo o momento, se transforma em vítima. Insatisfeito, o homem, neste caso o protagonista, procura a paixão de forma desenfreada. Ruth, depois Mouche, depois Rosário… sonhos prometidos, desilusões repetidas. Afinal de contas, o homem será sempre o elo mais fraco, perante a natureza ou o destino, por mais senhor do universo que se considere.
No final, o livro revela-se como uma imensa lição de humildade perante a natureza. Porque só o medievalismo dos conquistadores poderia justificar tamanhas vontades de poder.
E pelo meio fica uma aventura magnífica, sem vitórias mas com imensas lições. Rosário, a mulher saída da terra índia personifica de forma magistral esse poder que imana do Novo Mundo, incompreensível e indomável. Tentando aliar a melodia à palavra, o protagonista almeja a um ideal ainda maior: aliar a sua própria vida ao pulsar da terra. Sonhos que se revelariam quimeras…


terça-feira, 6 de agosto de 2013

Tsunami - Robert Muchamore




Num país em que se lê tão pouco e em que se acusa os jovens (por vezes injustamente) de lerem pouco, é com enorme satisfação que assisto ao sucesso destes livros em boa hora editados em Portugal pela Porto Editora.
Entre os jovens e adolescentes, tão grande tem sido o sucesso desta coleção CHERUB que me decidi a experimentá-la.
Esta primeira série é constituída por 12 livros, todos eles versando a atividade de uma ficcionada agência pertencente aos serviços secretos ingleses, cujos agentes têm uma caraterística peculiar: têm entre 10 e 17 anos de idade. A ideia de Robert Muchamore é genial: imaginar uma agência secreta composta por jovens, de forma a tirar partido da sua facilidade de aprendizagem e do inesperado da situação para os malfeitores. Os agentes (querubins) são recrutados em lares de acolhimento e dispõem de uma sofisticada preparação, numa academia preparada para o efeito: a CHERUB.
Como não pretendia ler a coleção toda decidi começar pelo último. Percebe-se de imediato que não é necessário seguir a ordem de publicação para se compreender o enredo. E percebe-se também que estamos perante uma obra de grande qualidade.
A leitura deste volume fez-me pensar numa coisa: porque é que a literatura tradicionalmente apelidada de infanto-juvenil faz tão pouco sucesso em Portugal? Não andarei longe da verdade se concluir que tais obras caem num pecadilho que não vemos em Muchamore: o de considerar, de certa forma, os jovens como mentecaptos, apresentando enredos muito simplistas. Pelo contrário, nesta obra, não só se respeita a capacidade de raciocínio dos jovens leitores como lhes lança desafios de raciocínio muito interessantes, para além de se aventurar em temas que, na nossa mente tradicionalista muitas vezes consideramos “para adultos”.
Para além da muita emoção que o enredo proporciona é também assinalável valor pedagógico da obra, ao envolver temas muito atuais e polémicos, como os direitos das minorias e as opções sexuais dos jovens.

Muito interessante também a forma como se destaca um problema grave que, infelizmente, é bastante esquecido nos nossos dias: o aproveitamento político e principalmente económico que alguns poderosos fazem das grandes catástrofes naturais, sempre em prejuízo dos mais desfavorecidos. É assim neste volume, em que se denuncia o aproveitamento por parte do turismo do terramoto e maremoto que assolou o sudoeste asiático e que foi justificação para retirar terrenos às populações locais, que constituíam as suas fontes de subsistência, transformando-os em luxuosos empreendimentos turísticos.

domingo, 4 de agosto de 2013

Marquesa de Alorna - Maria João Lopo de Carvalho

Sinopse:
Leonor, Alcipe, condessa d’Oeynhausen, marquesa de Alorna - nomes de uma mulher única e invulgarmente plural. Chamei-lhe Senhora do Mundo. Poderia ter-lhe chamado senhora dos mundos. Dos muitos mundos de que se fez senhora. Inconfundível entre as elites europeias pela sua personalidade forte e enorme devoção à cultura, desconcertou e deslumbrou o Portugal do séc. XVIII e XIX, onde ser mãe de oito filhos, católica, poetisa, política, instruída, inteligente e sedutora era uma absoluta raridade. 
Viveu uma vida intensa e dramática, mas jamais sucumbiu. Privou com reis e imperadores, filósofos e poetas, influenciou políticas, conheceu paixões ardentes, experimentou a opulência e a pobreza, a veneração e o exílio. Viu Lisboa e a infância desmoronarem-se no terramoto de 1755, passou dezoito anos atrás das grades de um convento por ordem do Marquês de Pombal e repartiu a vida, a curiosidade e os afectos por Lisboa, Porto, Paris, Viena, Avinhão, Marselha, Madrid e Londres. 
Marquesa de Alorna, Senhora do Mundo é uma história de amor à Liberdade e de amor a Portugal. A história de uma mulher apaixonada, rebelde, determinada e sonhadora que nunca desistiu de tentar ganhar asas em céus improváveis, como a estrela que, em pequena, via cruzar a noite.

In wook.pt

Comentário:
Aqui está um romance histórico que é muito mais “histórico” do que “romance”. Na verdade, o esforço da autora para não fugir à verdade histórica faz com que a obra se aproxime um pouco da biografia, deixando os adeptos do romance um pouco desencantados com uma certa “aridez” dos factos. O livro inicia-se com uma (mais uma, ufa!) descrição do terramoto de Lisboa e a autora não consegue escapar ao estafado cliché da menina sobredotada que deteta os sinais do terramoto antes deles surgirem. A partir daí, Maria João Lopo de Carvalho arranca para uma triunfal epopeia de louvor à Marquesa de Alorna. Ninguém duvida da enorme importância histórica desta notável mulher, mas é claro que, como ser humano, tinha as suas limitações e defeitos. No entanto, a autora encaminha todo o enredo no sentido de um “endeusamento” da protagonista, mesmo quando veste a pele da aristocrata conservadora.
Comecei este meu comentário pelos aspetos que menos me agradaram mas eles são também compensados por outros que me levaram a empreender a leitura com algum prazer. Na verdade estamos perante um livro que se lê com prazer, quer pelo encanto que, de facto, rodeia a personagem principal, quer pelo estilo leve, claro, puro, da autora. Com frases curtas, pouca adjetivação e algum sentido de humor, a vida da Marquesa é exposta de forma bastante agradável ao leitor.
Por outro lado, este livro não deixa de ter um notável valor pedagógico; é com obras como esta que, realmente, se promove a História de Portugal.
No entanto, esse valor pedagógico acaba por ser prejudicado por um outro pecadilho muito comum neste tipo de abordagens: a autora não consegue (ou não quer?) fazer uma leitura isenta da figura do Marquês. Ele é visto sempre no seu lado mais nefasto, apresentando-se como uma figura quase diabólica. Fica por abordar todo o lado positivo e progressista da sua governação. Por outro lado, a nobreza de Portugal, representada pelas suas famílias aristocráticas nunca é referida como causa (que foi real) do conservadorismo e de parte do atraso económico em que o país mergulhou, para além das graves injustiças sociais a que estiveram associadas.
Mesmo assim, podemos afirmar em abono da autora que apenas se pretendeu realçar a figura, magnífica, sem dúvida da marquesa de Alorna. Ela foi uma “Madame Stael” portuguesa, defensora do progresso, das ciências, da cultura e não uma simples feminista antes do feminismo. Um aspeto histórico poucas vezes notado quando se fala desta época, entre o auge já passado da Inquisição e a austeridade burguesa de costumes que marcará o século XIX, é uma verdadeira fase de libertação da mulher, pelo menos ao nível intelectual. O próprio Marquês de Pombal (em mais uma das suas contradições) foi um impulsionador das ideias iluministas em Portugal, que defendiam a igualdade de oportunidades, se bem que de uma forma muito titubeante.
Como se vê, trata-se de uma obra que encerra algumas contradições; alguns motivos para a considerar um livro de grande importância para o conhecimento da época e divulgação da personagem principal, mas uma obra que não escapa a alguns preconceitos ideológicos.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O Riso de Deus - António Alçada Baptista


Sinopse
Ao acompanhar a vida de Francisco, o personagem central deste romance, ao longo das suas escolhas, da sua procura, ao acompanhá-lo ao longo das suas deambulações pelo mundo, pela história, ao sabor dos acasos e encontros e, muito especialmente , da intimidade de algumas mulheres cúmplices da mesma procura, o autor instaura uma forma de questionamento radical. Radicalidade que decorre do facto, inédito na sua escrita, de ser toda uma vida que é posta em balanço, tendo por contraponto esse limite que é a morte. Deus? Possivelmente. Mas um deus que ri, joga, um deus apaixonado pela pura alegria de existir.

Comentário:
Francisco é o seu nome. Com ele viajamos às profundezas do espírito humano. Mais fundo, mais longe da superfície, mais distantes desta crosta a que chamamos vida, Alçada Baptista encaminha-nos para dimensões tão reais quanto estranhas.
Tão grande é a profundidade da análise da alma humana que tudo quanto se possa dizer deste livro soará sempre a uma enorme superficialidade. O que aqui escreverei não passará, portanto, de uma pequena coleção de impressões pessoais sobre os mundos distantes a que o autor nos conduz.
Deus está sempre presente, mesmo que disfarçado, nas viagens interiores de Francisco. Esta preocupação do autor e do personagem torna-se mesmo obsessiva. Deus e os outros e uma imensidão de questões. Poderá Deus transportar-nos para longe do mundo, conduzir-nos ao abandono ou, pelo contrário, encontrar-se-á ele precisamente entre os outros?
Ao contrário do que a sinopse do livro afirma, não me parece que o riso de Deus a que Alçada Batista se refere seja um riso de alegria; parece-me mais tratar-se de um riso sádico de quem, lá de cima, observa o ser humano perdido no mundo, uma barata tonta que não encontra o melhor buraco onde se refugiar. O homem sente-se perdido, sente-se um joguete nas mãos de deus, que ri altivamente e quase de forma egoísta.
Resta ao homem a liberdade. Mas uma liberdade que de pouco lhe serve; ele próprio constrói as suas prisões ao longo da vida. Francisco é livre, pelo menos tanto quanto a sua independência financeira lhe permite. Mas… e o que os outros esperam de nós? Uma servidão permanente ao trabalho e às correntes que nos prendem aos outros…
Mais do que um relato da vida, mais do que um conjunto de reflexões sobre o mundo humano, este livro é um manancial de questões às quais teimamos em não saber nem querer responder. O nosso cérebro encarrega-se de construir a nossa própria escravidão, ignorando essa grande verdade que a Rita do romance nos ensina: as coisas são sempre mais simples do que aquilo que o nosso cérebro nos mostra.

Rita é o raio de luz numa leitura algo tenebrosa da alma humana que o autor nos proporciona na pessoa de Francisco. Todo este pessimismo filosófico, toda esta viagem infindável do autor pela alma humana leva-me a colocar esta tão simplista mas pertinente questão: faz sentido gastar a vida a pensar?

sábado, 27 de julho de 2013

A Flecha Negra - Robert Louis Stevenson


Sinopse:
O temerário mas inexperiente Richard Shelton, que em nome da justiça e da lealdade se lança até no mais desigual dos combates, é o herói desta aventura. A ação de “A Flecha Negra”, a obra de Robert Louis Stevenson que começou por ser publicada em folhetim em 1883, decorre nos primeiros anos da Guerra das Duas Rosas, um conflito pelo domínio territorial e pela sucessão ao trono que colocou em confronto as casas inglesas de York e Lancaster. Uma guerra, em pleno século XV, feita de frágeis e pouco duradouras alianças entre as mais influentes famílias do país. 

Comentário:
Mais do que uma intensa e apaixonante aventura, este livro é um testemunho histórico muito fiel e cheio de beleza; daquele encanto que só o mundo medieval, carregado de heroísmo, pode trazer. Estamos perante mais uma obra representativa do período romântico da literatura britânica, da primeira metade do século XIX e que hoje se junta àquele estranho conjunto de livros a que o vulgo chama “literatura infanto-juvenil”. Pronto, confesso que embirrei com isto! Porquê “infanto-juvenil”? Desde quando estes romances apaixonantes, cheios de mistério e ação, se destinam apenas ou preferencialmente aos jovens? Isto, meus amigos, é literatura para todas as idades!
Dizia eu que este livro é um testemunho histórico apaixonante. A ação decorre na fase final da Idade Média, quando a Grã-Bretanha se encontra mergulhada num duplo conflito: a nível externo, a Guerra dos Cem Anos, que colocou frente a frente a França, com os seus aliados, e a Inglaterra, também com os seus aliados, entre os quais Portugal. Este conflito que, na verdade, durou mais de 130 anos, transformou os franceses em inimigos eternos e, no livro, eles são uma espécie de fantasmas que ameaçam constantemente as costas inglesas.
Mas há o não menos terrível conflito interno: a famosa Guerra das Rosas, entre as duas maiores casas nobres de Inglaterra: a de Iorque e a Casa de Lencastre, de onde haveria de provir a nossa famosa rainha D. Filipa.
Em Inglaterra, se não nos batemos por um lado, temos de nos bater pelo outro”, lamentava-se o herói deste livro, o jovem cavaleiro Richard Shelton (Dick). Era esta a dura realidade de um reino dividido numa guerra fratricida entre as duas casas, representadas pela rosa vermelha de Iorque e a rosa branca de Lencaster. Desta forma, cada cidadão inglês vivia rodeado de inimigos e o seu objetivo número um era sobreviver; neste contexto, a Inglaterra tornara-se um verdadeiro covil de ladrões e um mundo de esfomeados e desesperados. E a sobrevivência só era possível tomando partido por um dos lados. É por isso que neste livro não há bons nem maus. 
Este foi o terreno fértil para o mítico Robin dos Bosques e foi-o também para os justiceiros deste livro, os homens da flecha negra, com que marcavam cada ataque aos privilegiados daquele tempo.

Trata-se de um belo romances de aventuras, um livro marcante deste género literário, indispensável a quem gosta de aliar a história à literatura.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Voo do Noitibó - João Lobo


Sinopse:
Em O Voo do Noitibó, João Lobo, fiel a uma gramática de procura e indagação, desentranha seis histórias de criaturas nimbadas pelo sortilégio do tempo natural, daquele tempo que está para além dos espaços físicos e dos marcos históricos, e que encontra medida no ádito improfanado da memória, e preexiste às circunstâncias dos factos que confundem os sentidos e cegam o entendimento do homem hodierno.
In caligrafo.pt
Comentário:
O noitibó é um pássaro noturno; mais do que isso, ele é a noite; o símbolo vivo da escuridão e das sombras que a povoam. Da mesma forma, este livro é a expressão da noite humana e dos mistérios com que a natureza envolve os homens.
Confesso que o início da leitura foi difícil. João Lobo coloca nestes contos toda a linguagem como expressão da alma deste povo minhoto, possuidor de um linguajar cheio de preciosidades linguísticas. Nesse âmbito, esta obra funciona como uma espécie de repositório de um vocabulário que ameaça o esquecimento. E grande parte do encanto desta leitura reside precisamente nesse imenso desafio que se coloca ao leitor: entrar na linguagem como porta de acesso à alma popular.
Em algumas passagens, este livro faz lembrar alguns dos escritores neorrealistas portugueses mas especialmente o grande Aquilino Ribeiro. Tal como na obra do grande mestre, também, em João Lobo sentimos o perfume da terra e a alma popular.
No entanto, em algumas passagens do livro, o aspeto quase barroco da linguagem dificultam de tal maneira a tarefa do leitor que a dimensão lúdica da leitura quase se perde.
Quando João Lobo consegue conciliar essa alma popular, esse sentimento de pertença à terra com uma narrativa minimamente interessante para o leitor, o livro assume caraterísticas bem interessantes, como no conto “Belzebu”, em que se exprime uma mensagem original e bem atraente: a ideia segundo a qual, mais do que um espírito divino, todos nós, seres humanos partilhamos um pouco do mal universal; uma espécie de bafo do diabo…

Em conclusão, podemos dizer que estamos perante um livro de difícil leitura e interpretação mas com um grande valor antropológico e linguístico. A preocupação maior do autor não foi escrever uma obra atrativa; foi deixar para a posteridade uma memória viva de um povo, bem como de toda a força da sua expressão linguística.

domingo, 21 de julho de 2013

O Conde de Monte-Cristo - Alexandre Dumas



 
Sinopse
A história de um homem bom a quem roubam a liberdade e o amor. Um homem que regressará coberto de riquezas, vingador impiedoso e infalível, para além de toda a lei humana ou divina. Edmond Dantés quer reaver a mulher que amara, vingar-se dos seus inimigos, desafiar o destino…
Grande obra de um dos romancistas mais populares em todo o mundo e o mais célebre dos ficcionistas românticos franceses, autor de Os Três Mosqueteiros e A Tulipa Negra, entre outros.
«Quem disse que não vale a pena ler ou reler os clássicos? “O Conde de Monte-Cristo” é um dos absolutamente obrigatórios. As Publicações Europa-América fazem agora a reedição deste romance num exemplar de quase mil páginas que se lêem num abrir e fechar de olhos.» — 24 Horas
Um romance imortal. Um filme extraordinário do realizador de Robin Hood: Princípe dos Ladrões com Jim Caviezel, Guy Pearce e Richard Harris.

 in Wook.pt
Comentário:
Este é, se dúvida nenhuma, um dos livros mais emocionantes que li até hoje.
O Conde de Monte Cristo é, à partida, um exemplo monumental do romantismo literário francês do século XIX. Publicado no mesmo ano que Os Três Mosqueteiros, faz com este outro livro um par de obras monumentais, que deixaram Alexandre Dumas entre os mais geniais escritores de sempre.
Neste livro estão bem patentes todas as caraterísticas do género romântico: o heroísmo de um homem injustiçado, que combate pela vida e pela vingança; o testemunho histórico de uma época em que a honra de um homem tinha mais importância do que a própria vida; a visão romântica de um passado em que a ação humana poderia redimir pecado e corrigir injustiças.
Mas, a meu ver, há algo mais que marca o romantismo francês oitocentista, em algumas das suas obras mais relevantes: é que o heroísmo, neste livro por exemplo, não emerge necessariamente da honra dos nobres e tradicionais espadachins; emerge da pobreza, da injustiça e do sofrimento humano. O Conde de Monte Cristo, ou Edmond Dantès, não é comparável ao Quijote que luta pela honra da fidalguia nem sequer a um D’Artagnant que pugna por grandes ideais. Assim, esta tendência humanista do romantismo francês, fica claramente exposta neste livro, como n’Os Miseráveis, de Victor Hugo, aproximando-se mais do romance britânico de Stevenson.
É esta dimensão de defesa da justiça social, herdeira dos nobres valores da Revolução Francesa que tornou heroica a obra deste escritor. Como diríamos hoje, escritores como Hugo e Dumas foram verdadeiros escritores de intervenção.
Curiosamente, a maioria destes romances transformaram-se, no século XX, em livros conotados com a literatura infanto-juvenil. Custa-me entender porquê. Livros como O Conde de Monte Cristo devem ser lidos por qualquer pessoa que, simplesmente, goste de ler. O Conde de Monte Cristo é uma sublime obra-prima da literatura mundial.
Neste livro, qualquer leitor, jovem adulto ou idoso, devora as mais de 1500 páginas com uma vontade indómita de desvendar os mistérios e de galgar as etapas heroicas da vingança do desventurado Edmond Dantés. No entanto, quando Edmond, o infeliz, se transforma no rico e todo poderoso Conde de Monte Cristo, ele transforma-se também no redentor de todas as misérias e de todas as injustiças.
Mas nesta edição que me foi dado ler, nem tudo são rosas. A verdadeira mancha negra desta edição da coleção Geração Público é a tradução.
Os erros de tradução atingem o inacreditável no início do capítulo 100, onde podemos ler: “Todas as manhãs Morrel telefonava para Noirtier para saber notícias de Valentine…”
Esta frase, para além da repetição abusiva da palavra “para”, contém dois erros gritantes:
- O personagem Noirtier era mudo, pelo que nunca poderia informar nada por telefone.
- Mais incrível ainda: a primeira versão de telefone foi inventada em 1860 e Dumas acabou de escrever este livro em 1844!!!
Para tirar todas as dúvidas, procurei uma edição francesa. Encontrei o e-book no site do projeto Gutenberg e, afinal, a frase original é (pasmem):
Chaque matin Morrel venait chez Noirtier prendre des nouvelles de Valentine…”
Penso que não é necessário acrescentar nada…

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A Lua e as Fogueiras - Cesare Pavese




Sinopse:
Publicado originalmente em 1950, A lua e as fogueiras é o último e mais bonito romance de Cesare Pavese. Neste romance, o personagem central retorna rico à cidade de Santo Stefano Belbo, de onde partiu ainda jovem para "fazer a América", pretendendo usufruir uma vida abastada. Não é mais o rapaz obrigado a trabalhar nos campos, mas um homem maduro que agora pode ser um patrão. Numa paisagem em que, aparentemente, nada mudou, encontra tudo transformado.
 in Skoob.com.br


Comentário:
Uma enorme surpresa, este livro. Depois da deceção que foi a leitura de Andrea Camilleri, encontrei neste Cesare Pavese algo completamente diferente.
 Quando um homem não conhece as suas raízes tudo perde o sentido. Enguia, o protagonista, é um bastardo que nunca conheceu os pais. Enriqueceu mas o apelo da terra foi, no entanto, maior. Mas as raízes perdidas, essas, nunca mais as encontrará…
Uma escrita profunda, sentida, poética, cheia de sentimento e emoção. O próprio título, A Lua e as Fogueiras, encerra um simbolismo tremendo, numa alusão ao universo rural e místico da Itália dos tempos da ditadura fascista e das fogueiras da guerra que assolaram o nosso continente em meados do século. A Lua, no seu esplendor místico, parece iluminar uma escuridão que se entranha no espírito dos homens e da qual o próprio Pavese foi vítima pois acabou por se suicidar poucos meses depois de ter terminado a escrita deste livro.
A solidão de um bastardo no meio do mundo. “Enguia” regressa à sua terra e, depois da solidão da América que o acolheu e onde enriqueceu, apenas encontra as cinzas das fogueiras; nem memórias vivas, apenas fantasmas… Nuto, o amigo é o que resta da guerra e da miséria. De resto, é a tristeza do presente, os ódios do passado, o medo do futuro e a pobreza de sempre.
Mas a agente simples não é mais infeliz que ele, que enriquecera. A miséria é também enganada pela alegria de quem nada tem a perder nem a ganhar. As festas, as desgraças, a música, a morte... Tudo é vida, mesmo sem futuro.
Enfim, uma imensa poesia sobre a vida real.
Uma obra-prima!