Um homem. Um rapaz, seu filho. Tudo o resto é quase nada: um mundo devastado por um apocalipse de fogo que o leitor imagina ter sido uma catástrofe nuclear. Árvores secas, terra estéril, rios de lama e um mar onde homem e rapaz sonham encontrar a salvação.
Um livro surpreendente. Logo à partida, destaca-se a felicidade com que se concebeu uma capa (na edição portuguesa Relógio d’Água) que, incrivelmente simples, encerra grande parte do espírito da obra: um fundo negro de morte, ou de tristeza, tanto faz, e o título da obra escrito num vermelho desmaiado que pode ser de sangue ou de dor… está dado o mote para uma obra perturbadora, que desperta no leitor sentimentos de revolta, de inquietação, mas também de uma tremenda empatia perante aqueles personagens que percorrem a estrada e que nos parecem levar pela mão. Eles caminham sozinhos, mas nós permanecemos sempre com eles!
Os personagens não têm nome; apenas “o rapaz”, “o homem”, “o velho”, “a mulher”, “os maus” e “os bons”. Pouco interessam os nomes, num mundo onde as identidades se perderam, onde não há datas nem calendário, cidades nem aldeias, pássaros nem peixes. Só eles, a estrada, os cadáveres e a cinza, para além de uma esperança que nunca morre, um sonho que resiste e, acima de tudo, um amor que comanda a pequena réstia de vida que, no entanto, é um mundo inteiro. Ninguém sobrevive sem amor.
A devastação e a ausência quase total de vida leva-nos a pensar naquilo que estamos hoje a fazer com o nosso planeta. Em poucos segundos, algures antes do nascimento do rapaz, um clarão de fogo atravessou a terra; e tudo se perdeu, excepto os “sobreviventes” que vagueiam pela terra, como náufragos perdidos numa imensa ilha árida e despovoada.
Carregando um velho carrinho de supermercado onde transportam todo o seu mundo, rapaz e homem vagueiam nas estradas daquilo que nós imaginamos ser a América, à procura do mar, acreditando que este pode ainda ser a fonte de vida ancestral, como o foi há milhões de anos. De tempos a tempos surgem outros sobreviventes que, vagueando na mais extrema miséria, são vistos como “os maus”, que se alimentam de carne humana, matando para comer e autores dos mais pérfidos actos de crueldade.
No meio de tanta infelicidade e terror, entre o rapaz e o homem sobrevive sempre o amor filial e paternal, só ele capaz de explicar a sobrevivência e, até, a felicidade. Eis a questão: é possível ser feliz no meio da maior catástrofe: uma lata de feijões fora de prazo pode ser o suficiente para que um sorriso de criança faça renascer a felicidade. Talvez seja esta a lição maior que todos precisemos aprender.
Cormac McCarthy, aos 73 anos, afirma-se finalmente como um grande nome da literatura norte-americana ao vencer, com este livro, o prestigiado prémio Pulitzer. Esta obra é, sem dúvida uma das mais marcantes do novo século.