Ao contrário do que é habitual, hesitei bastante antes de começar a escrever este texto. Mesmo agora, neste preciso momento, não sei muito bem o que vou escrever.
Por um lado apetece-me dizer que se trata de um livro excelente; por outro lado, também é verdade que este livro não corresponde àquilo que eu considero um grande livro.
Para começar devo voltar à velha questão que tem dado voltas a este blog: o que é um grande livro? Mais uma vez vou apontar o dedo aos pseudo-intelectuais que desprezam este tipo de literatura; é que são esses mesmos que se queixam tanto de que em Portugal lê-se pouco. Por mim, devo dizer que são escritores como Jodi Picoult que fazem com que ainda se vá lendo alguma coisa. Este livro é um verdadeiro exemplo de como se pode escrever uma obra comercial e ao mesmo tempo com qualidade literária. No entanto, essa qualidade literária fica um pouco limitada pela forma superficial como os temas são tratados, mau grado as 532 páginas do livro. De facto, fiquei com a sensação de que a estória se contava em metade dessas páginas. Não quer isto dizer que a leitura seja desagradável ou fastidiosa; de maneira nenhuma; lê-se com muito agrado e é daqueles livros que se agarram a quem lê, na ânsia de chegar depressa ao fim. Se o Firmin se dedicasse a este livro devorá-lo-ia em poucas horas…
O livro tem um enredo daqueles que a moderna literatura norte-americana adora: dois adolescentes com pais sem tempo para eles, dois adolescentes e incompreendidos e amargurados. Ele, Peter, é o alvo do bulling, é o aluno desprezado e humilhado por mil e uma tropelias que os colegas mais “in” lhe provocam. O leitor é levado a sentir revolta, repulsa, raiva, perante as humilhações de Peter. Ela, Josie, é a filha de pai ausente e mãe hiper-ocupada com a sua profissão e procura compensar essa falta de afectos precisamente no grupo de alunos que humilham Peter, mau grado a amizade de infância em relação a Peter.
As humilhações atrozes a que Peter é sujeito conduzem ao desastre: a um massacre do tipo Columbine!
Trata-se de um enredo que nos faz pensar; os adolescentes dividem-se entre os “populares” e os “totós”; estes são humilhados até ao desespero, perante a passividade dos professores e a “distracção” dos pais. Até que um dia surge “a bomba”. Literalmente.
Numa América marcada e traumatizada pelo massacre de Columbine e pelos atentados de 2001, o livro acusa a facilidade com que se comercializam armas e a passividade de sociedade perante a violência. Por exemplo, Alex, mãe de Josie, para ser admitida como juíza é praticamente obrigada a afirmar que concorda com a posse livre de armas de fogo. O pai de Peter, académico de sucesso que estuda fórmulas matemáticas para medir a felicidade, revela-se totalmente incapaz de compreender e acompanhar o filho e, pelo contrário, inicia-o ingenuamente no uso de armas, tendo a caça como justificação! Questiona-se sobretudo a ausência de controlo e acompanhamento parental, explicada ingenuamente pelo stress e pelas exigências profissionais dos pais.
Em conclusão, trata-se de uma história actual, interessante, muito bem escrita mau grado os erros de tradução e revisão nesta edição da Civilização. No entanto, cai nas armadilhas recorrentes na moderna literatura norte-americana: reducionismos, lugares comuns e uma tendência por vezes exasperante para um tom melodramático que, no entanto, o tema justifica. Por exemplo, escapa à autora um dado fundamental: a realidade não é bem assim; raramente jovens humilhados são infelizes para o resto da vida. O mais frequente é que estes reajam por contraste, isto é, assumam o futuro como um desafio e construam carreiras de sucesso. Jodi Picoult tomou o todo pela parte. No entanto, não era um estudo sociológico que a autora pretendia fazer, pelo que se considera este livro como um excelente contributo para a reflexão sobre a violência juvenil, ao mesmo tempo que nos presenteia com uma escrita agradável, que prende o leitor até à última página.
Imagem retirada daqui.