Werther é um jovem que se afasta do mundo urbano para usufruir da natureza numa aldeia verdejante e simpática. A partir daí dá conta do seu quotidiano numa série de cartas dirigidas ao seu amigo Guilherme.
Werther vive num lugar paradisíaco; todas as descrições que faz do local são eivadas de um assinalável bucolismo. A paz e a felicidade parecem emanar da natureza. Desde logo, o bucolismo surge associado ao amor. Em breve Werther encontra Carlota, por quem se apaixona perdidamente. Carlota parece ser, ela própria, uma emanação da terra; algo de muito puro, caracterizada por uma alegria que só podia ser fornecida pela terra e pela natureza.
A paixão por Carlota surge de uma forma avassaladora. Qualquer pormenor, qualquer gesto ou palavra da formosa jovem são vistos por Werther como algo sagrado. A paixão vai-se tornando irresistível. É o idílio total, ao ponto de atingir a negação da própria personalidade (“O mundo não existe já para mim”). É o amor como forma de despersonalização total. No entanto, a felicidade de Werther leva-o a considerar mesmo que é dever de qualquer ser humano viver essa felicidade pois só assim levará alegria aos outros. O mau humor é uma agressão aos outros seres humanos. A paixão arrebatada, essa espécie de loucura, é vista por Werther como uma atitude grandiosa, própria dos grandes homens se bem que as pessoas vulgares as encarem como “coisas de loucos”.
O sonho e a ilusão são vistos como fonte de felicidade. Pergunta, no entanto, Werther: “Será quimera o que nos torna felizes?”
Em breve, a realidade abater-se-á sobre Werther. O aparecimento de Alberto, noivo de Carlota, transformará o idílio num tormento. Entretanto, Werther parece encarar Alberto como uma extensão da própria Carlota; e o afecto que dedica ao rival parece ser também uma extensão do amor que sente por ela; Werther parece amar Alberto porque ama Carlota.
Mas a presença do noivo marca a viragem cruel no destino desta paixão. Werther é assolado pela crueza da realidade; num discurso profundo e amargurado, Goethe justifica (pela voz de Werther) racionalmente o suicídio como a única cura para uma doença mortal, procurando desde logo a justificação moral para um acto que a sociedade puritana do século XVIII condenava com veemência.
A razão nada pesa quando o homem é atingido pela paixão; por isso, é também no domínio das emoções que se pode entender o suicídio.
A ideia chave com que se chega ao final desta primeira parte é uma conclusão avassaladora: tudo o que faz a felicidade de um homem é a origem dos seus males.
Na segunda parte do livro o desânimo de Werther acentua-se; no entanto, é curiosa a forma como Goethe nos dá conta de uma certa altivez quando o jovem atormentado atribui ao talento e à coragem a falta de auto-confiança. Não deixa de haver aqui uma certa ironia: a coragem revela-se inimiga da vontade de lutar? Coragem para quê? Para assumir a derrota? No entanto, para lá desta ironia aparente, podemos detectar aqui o grande gérmen do romantismo literário: a assumpção do sofrimento como acto de heroísmo.
Um outro aspecto aparentemente irónico do enredo é o facto de Werther, constantemente, acusar a desigualdade social, em defesa dos desprotegidos mas, ao mesmo tempo, assumindo-a como necessária e até como sendo beneficiário dessa mesma desigualdade; mais uma vez, a contradição é apenas aparente: viviam-se os últimos tempos do Absolutismo Régio, em que a mentalidade colectiva encarava a desigualdade como natural e incontornável; neste contexto, Werther revela mesmo aquilo a que hoje chamaríamos ideias pré-revolucionárias.
É nítida a antipatia do jovem em relação à frivolidade dos meios sociais de elite; Werther demite-se do seu trabalho, em parte, devido à inadaptação a essa frivolidade. No entanto, essa demissão é antes e mais uma fuga. Werther tenta fugir de si mesmo. Regressa então à casa de infância; mais uma vez, a fuga! Pouco tempo depois, coloca a hipótese da fuga para a guerra. No entanto desiste da ideia porque decide voltar para junto de Carlota. A rendição ao amor. Mas porquê este regresso ao lugar onde nasceu a sua infelicidade? Mais uma vez sobressai a ideia de procura de um certo heroísmo no sofrimento. Sofrer é um acto de coragem, não de resignação. Por outro lado, é a necessidade de fuga a si mesmo. A negação radical do “eu”. A entrega final de si próprio a um amor que hoje consideramos desmedido e doentio mas que, à luz da mentalidade da época e dos cânones da literatura romântica não é mais que um amor heróico.
Heróico até à morte; heróico no suicídio!
7 comentários:
Não achas que Carlota influenciou o amor de Werther?
Como se ela quisesse ser admirada por ele, amada por ele, ser seu objeto de adoração mas que ele jamais poderia tocar.
Amei tua resenha Manuel, tão recheada do romantismo da história, tuas palavras vão direto aos sentimentos despertadas pela narrativa de Werther...
Abraços
Este livro tem uma história magistral! É bucólico, triste e impulsivamente sentimental, mas até o facto de Werther ter o seu fim tão trágico não deixa de apaixonar o leitor. É lindíssimo! :)
Olá tudo legal? Gostaria de convidar conhecer meu trabalho no blog Ecos no endereço www.ecosdotelecoteco.blogspot.com . Forte abraço aí e sucesso com o blog. T +
Olá JU
é difícil responder objectivamente à tua pergunta... eu creio que na nossa sociedade há um certo bloqueio à sinceridade do comportamento feminino. Parece-me que o velho preconceito do homem galanteador criou na mulher uma necessidade de recato, de conter a exteriorização de emoções sob pena de ser punida socialmente, uma vez que se entende essa exteriorização como facilitadora das investidas masculinas.
Na minha opinião Carlota teve um comportamento sincero, de abertura emocional perante Werther, exteriorizando uma amizade que me parece sincera e ingénua (no bom sentido). O problema é que foi a própria mente de Werther que confundiu essa abertura emocional como algo mais. Se, com isso, influenciou o amor de Werther, é possível; mas nunca deixou de ser sincera e autêntica nos seus sentimentos.
Tonsdeazul, como dizia alguém há tempos neste blog, também há beleza na tristeza. Não podemos é parar aí :)
Obrigado Fábio; visitar-te-ei já de seguida.
Abraços a todos
Werther e o seu amor por Carlota...
Um amor imenso, proibido e trágico...
Werther, muito sensível, muito especial às vezes contraditório nas suas idéias, nos seus sentimentos...
Até o seu fim foi trágico, um fim que acaba por reforçar o tamanho da sua paixão, o tamanho do seu sofrimento...
Um final magnífico. Pensando agora e depois de ler a tua resenha, um final que não poderia ser de outra forma.
Um abraço
Cristina
Cristina, ontem ouvi alguém dizer uma frase que não esquecerei tão cedo e que agora quero compartilha convosco.
Questionado sobre o que é "ser humano" e depois de ouvidos um teílogo, uma bióloga e um escritor que discursaram largos minutos sem dizer mais que banalidades, essa pessoa, numa frase, disse tudo: "não sei bem o que é ser humano, mas estou convencido que no dia em que perdermos a dignidade deixamos de ser humanos".
Werther perdeu a dignidade humana! Desistiu de SER. Perdeu-se num amor sem sentido. Nada mais lhe restava senão a morte.
Escrever e publicar sem reler dá nisto! Dois erros: onde digo "compartilha" e "teílogo" queria dizer, respectivamente, "compartilhar" e "teólogo".
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