Escrito em 1811, na fase mais conturbada das guerras napoleónicas, o enredo de Sensibilidade e Bom Senso desenrola-se no pacato e bucólico meio rural inglês, numa paisagem típica da literatura romântica, a fazer lembrar o nosso Júlio Dinis ou o dramatismo bucólico de Goethe.
A importância histórica desta obra é inegável: ela é precursora do romantismo literário que viria a marcar indelevelmente todo o século XIX.
A história baseia-se nos relacionamentos de Elinor e Marianne Dashwood, duas jovens órfãs de pai, que vivem com uma irmã mais nova, Margaret e a mãe, Mrs Dashwood. Trata-se de uma família da baixa burguesia rural inglesa que, quando o seu pai morre, fica com dificuldades económicas uma vez que a propriedade da família passa para John, o único filho homem. É nítido o contraste entre o carácter das irmãs, (Elinor mais racional e Mariane mais emotiva e romântica) que buscam o equilíbrio entre a razão e a sensibilidade na vida e no amor, como caminhos para a felicidade.
Pessoalmente, o aspecto que mais me marcou nesta obra foi a crítica de costumes: Austen denuncia, de forma cáustica e severa uma sociedade pequeno-burguesa obcecada com a estabilidade económica, com base nos laços matrimoniais. O casamento é visto como um simples trampolim para a estabilidade financeira e para o enriquecimento ou como meio de sobrevivência desta pequena burguesia pouco abastada. Esta denúncia é frontal e radical se atentarmos numa simples expressão como esta, a propósito de um noivo potencial para Elinor: “é um homem que vale quinhentas a seiscentas libras”. Frequentemente, os candidatos ao casamento são avaliados consoante as rendas que auferem.
Por outro lado, chega a ser chocante a forma como nos é descrita uma sociedade semi-aristocrática onde predomina o mexerico. Algumas das personagens parecem viver obcecadas com a intromissão na vida alheia, vivendo os problemas dos outros como se fossem seus, deixando emergir a inveja e o ciúme. É uma sociedade de aparências, onde se cultiva o exterior, onde, por exemplo, a profissão de sacerdote é vista como um remedeio para um homem arruinado, sem renda significativa.
Os sentimentos são sempre deixados em segundo plano, como se a alma humana tivesse de se adaptar à realidade concreta e não o inverso.
Em termos estilísticos, o livro constitui, na minha visão subjectiva de leitor comum, uma certa decepção. Fica-se com a impressão que um tema tão rico como este teria dado a azo a uma tremenda sátira de Eça de Queiroz, cheia de humor e sarcasmo. Mas Austen opta por um estilo severo, muitas vezes difícil e ainda prejudicado por uma tradução muito pouco conseguida, incluindo erros de ortografia e de construção frásica que dificultam imenso a leitura.
Em suma, um livro com uma importância notável em termos de História da Literatura mas que, a meu ver, não cumpre esse papel essencial que a leitura deve ter: o aspecto lúdico. Abundam diálogos por vezes fastidiosos, ilustrando o formalismo da época e a futilidade do meio social, deixando no leitor a sensação de que a história poderia ser contada de forma muito mais sucinta. Um livro, no entanto, valioso para os apreciadores da literatura romântica do século XIX.
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8 comentários:
Manuel, ótimo post!
Desisti deste livro na 15ª página,talvez devido à forma que está escrita e que não ajuda em nada na sua leitura como referiste. Ainda assim acho que é um livro que se deve ler não é mesmo?
Um abraço -.
Adorei a tua critica. Parabéns! Um dia,irei conseguir escrever uma assim. ;) Quanto ao livro, é um dos meus preferidos. Alias, neste campo figuram todos os livros de Jane Austen. Gosto muito de romances de época. Fazem-me viajar e sonhar.. Não sei se já tiveste a oportunidade de ler 'Cartas de Amor e Amizade'. Aí sim é que se encontram mexericos. Alias, na capa do livro diz que como não havia telemóveis para se enviarem sms, tinha que se recorrer às cartas :) Muito bom..
Desta autora estou a pensar ler Orgulho e Preconceito.Este nunca me chamou muito à atenção.
Gostei imenso da tua crítica. A referência a Eça só engrandece a nossa literatura.Há sempre aquela velha ideia de que o é estrangeiro é melhor. Eu pessoalmente, adoro o sarcasmo que Queirós impõe as suas obras.
Obrigado, Adriana :)
Paula, são muito poucos os livros que eu ache que não vale a pena serem lidos; este também não foge à regra. Mas a partir de certa altura comecei a sentir que, como se diz na minha terra "o recado estava dado" e não valia a pena arrastar tanto o enredo. Mas isto é terrível: quem sou eu para dizer isto de uma escritora tão conceituada? No entanto, foi o que senti..-
Lia, não digas isso :) Eu gosto do que escreves!
Não conheço esse livro de que falas, mas eu acho que ainda hoje o mexerico é uma das piores pragas da humanidade! Irra, gentinha pequena que se diverte a mexericar a vida alheia - que coisa!!!
Jojo, parece que Orgulho e Preconceito é a obra prima de Austen. E tenho d eo ler um dia destes. Mas também te garanto que se arrastar a enredo como este o mais certo é não resistir ao meu "teste dos 10%" - se ao fim de um décimo do livro ele não me agradar, regressa à estante :)
Abraços para vocês e obrigado pelas vossas palavras.
Aprecio livros desta época vitoriana. Já li alguns livros de Jane Austen, mas este ainda não tive oportunidade de conhecer. Gostei especialmente de "Persuasão".
Boa escolha, sem dúvida!
A Jane Austen é eterna e o Sense and Sensibility um grande livro...
É uma questão de sensibilidade gostar ou não gostar desta escritora, até é simples...
Gostei.
o falcão
Já agora, também gostei da música! E fiquei com curiosidade de ler esse tal livro de ficção científico/histórica(?).
Durante anos li montanhas de science fiction. Agora parei um pouco...
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