quarta-feira, 30 de junho de 2010

Budapeste - Chico Buarque

Há cerca de vinte e cinco anos tornei-me um profundo admirador de Chico Buarque. A sua música e as suas letras transportam o génio de uma voz sentida, espelho de alma umas vezes revoltada, outras serena mas sempre mágica.
Foi, pois, com muita curiosidade e expectativa que procurei no Chico Buarque escritor o traço de génio do Chico Buarque músico. Obviamente, não o encontrei. Ele é um músico genial, pertence ao clube dos imortais e isso, é claro, levou a que as minhas expectativas em relação ao romancista disparassem para níveis impossíveis de alcançar.
Por outras palavras, este não é um livro de génio como foi a musica da Ópera do Malandro, por exemplo. Nem podia ser porque o génio é inigualável.
Neste livro, Chico Buarque aborda a eterna questão que assola a alma humana, a procura da identidade, de uma forma muito clara e assertiva. José Costa é um escritor anónimo, que escreve para outros escritores, esses sim famosos. José Costa é o escritor sombra, a par de muitos outros. Mas aquilo que para qualquer pessoa pode parecer uma desonra (escrever algo que é publicado por outro) é, para Costa, motivo de orgulho; ele sente-se realizado ao saber que outros ganham fama e dinheiro com os seus textos. No entanto, ele vai-se diluindo nesse anonimato, como se fosse proibido de existir. José Costa é apenas uma sombra.
Por outro lado, José Costa é, como qualquer de nós, um ser múltiplo. Ninguém é uno. José Costa do Rio de Janeiro ama Vanda; Zsoze Kosta de Budapeste ama Kriska. Duas faces, duas vidas, duas identidades, um homem. Um homem talvez à procura da unicidade. Mas, como Budapeste dividida pelo Danúbio, assim Costa permanecerá dividido de si mesmo.
O final do livro é brilhante. Ao ler este pequeno romance sente-se o esforço de subir uma montanha e o prazer de alcançar o seu cume, onde se alcança uma magnifica panorâmica. Ou seja, o enredo, o ritmo narrativo nem sempre são animadores; a leitura faz-se por vezes com algum esforço. Mas o prazer de assistir a um desfecho surpreendente faz com que, decididamente, valha a pena gastar umas horas a ler este Budapeste.
Seja como for, este Chico Buarque escritor nunca ultrapassará (na minha modesta opinião) a imortalidade deste génio musical:

6 comentários:

MJ FALCÃO disse...

"Construção" é uma das canções mais violentas e belas que conheço... Inesquecível, Chico Buarque.
Lindo post.
o falcão

Unknown disse...

Eu adoro esta música. Violenta, sim, mas também divertida e ao mesmo tempo dramática.
Acho que Buarque é um génio mas o melhor deste genio são estas músicas antigas, saídas do tempo da ditadura. Encaro Buarque como o Zeca Afonso do Brasil.

Anónimo disse...

Olha Manuel,
com toda a sinceridade, que me é peculiar, achei este livro do Chico bem chatinho de ler, tem seus bons momentos, mas...
Agora, li recentemente seu último livro, Leite derramado, onde um idoso centenário agoniza no leito de um hospital. Às enfermeiras que dele tratam, conta, de modo confuso e algo delirante, a história de sua vida.

A inspiração inicial para o livro veio da canção "O Velho Francisco", de 1987. O autor a tinha como esquecida até ouvir uma regravação feita pela cantora Monica Salmaso.

Em 2008, quando o produtor Rodrigo Teixeira o procurou para falar de um projeto em que escritores fariam textos baseados em músicas do cantor, Chico deu o seu aval, mas pediu que "O Velho Francisco" não fosse utilizada, pois com essa ele mesmo já estava fazendo algo. A letra fala das agruras de um ex-escravo, alforriado "pela mão do imperador".

Ao reescutá-la, Chico pensou em escrever a história de um velho. Só que, quando foi pôr mãos à obra, mudou o enfoque. Trocou o ex-escravo por um homem de nobre estirpe. E é por meio dele, Eulálio Montenegro d'Assumpção, o tal moribundo citado acima, nascido em 16 de junho de 1907, que o escritor narra a decadência de determinada elite brasileira.

Mas gosto é gosto!

Bjs.

Tania regina Contreiras disse...

Fica claro que não se pode ser genial em tudo, eis a verdade. Na música, imbatível. Já fez tanto numa vida que pode se dar ao luxo de nem fazer mais. Mas essa é a sua genialidade: música! As antigas, claro, as melhores. Acho que resolveu descansar agora...
Abraços,
Tânia

Unknown disse...

Fátima, obrigado pela dica; o livro Leite Derramado foi lançado há poucos dias em Portugal. Prometo lê-lo. De facto, este Budapeste tem passagens bastante penosas, com uma escrita pouco cativante. Mas gostei muito do final. No entanto, é como subir uma montanha: custa chegar lá acima :)
Tânia,
nós por vezes exigimos muito aos nossos ídolos. Aqui em Portugal há dois ou três músicos que adoro mas, irritantemente, teimam em descansar! Refiro-me a Rui Veloso e Luis Represas; é chato quando a gente sabe que eles podiam fazer coisas excelentes e a gente esperando, esperando, não é?
Mas o Chico, sem dúvida, merece descansar quanto quiser. O que ele já fez é fabuloso.

susemad disse...

Este foi o primeiro livro que li do autor e gostei desta busca de identidade de José Costa. Tanto gostei desta história que quando saiu "O Estorvo" na colecção da revista Visão não pensei muito e acabei por comprá-lo para ler algo mais do autor. Mas o mesmo entusiasmo já não encontrei na leitura de "O Estorvo", pois as deambulações do personagem principal não me prenderam de todo...
Penso que ficarei por aqui e não voltarei a ler algo de Chico Buarque a não ser as suas maravilhosas músicas!