Sumine e o narrador (a quem nunca é dado nome) estão unidos pelos livros: “para nós, devorar livros era tão normal como respirar”. Numa história de solidão, os livros são o companheiro permanente para quem as encruzilhadas da vida são incontornáveis.
Sumine, a jovem escritora, Miu, a misteriosa empresária e o narrador, um professor silenciosamente apaixonado, vivem caminhos paralelos que nunca se encontram. Tocam-se por momentos fugazes e ilusórios. O resto é a vida: a angústia de uma existência com traços bem definidos mas movida por uma força invisível que os impele para longe das metas do coração. O amor que os une é também o que os separa.
Sputnik é o nome que Sumine dá a Miu, por quem se apaixonara. Sputnik significa “companheiro de viagem”. Mas é um nome absurdo. Sputnik é um satélite de metal que caminha solitário em torno da Terra. Assim é Miu em torno de Sumine – presente mas ausente. Perto, mas longe.
O Japão é talvez o país onde de forma mais evidente se digladiam o progresso tecnológico do mundo capitalista e uma tradição ancestral de humanismo e espiritualidade. Nessa disputa, o capitalismo venceu e o Japão é um país angustiado pela perda desse reduto espiritual. Os livros de Murakami são o espelho dessa angústia. A solidão invadiu o país, inavadiu as almas porque os corpos, esses, continuam a caminha juntos, mergulhados na luta pela sobrevivência.
Escritor de um talento raro, Murakami é o porta-voz da solidão. Os seus personagens pensam e sonham. Porque pensar é a estratégia humana para conciliar o que se sabe com o que não se sabe; para evitar a “colisão”. Sem pensar, só há uma forma de a evitar – sonhando, saindo da realidade.
O trauma de Miu (encarcerada numa roda gigante, vendo-se a si própria fazendo amor com um homem detestável) exprime de forma sublime a dualidade que há no ser humano: ninguém é um ser único nem uno; somos múltiplos; não há um “eu”. Ou, se há, está dividido entre “o lado de cá”, o da realidade concreta e o “lado de lá”, o do sonho, de um mundo criado por uma espécie de eu inconsciente que paira sempre sobre a nossa vida material.
Cada um de nós não é mais que um satélite solitário, gorando perpetuamente em torno da Terra. Cada um vivendo o seu “lado de cá” e a maioria de nós permanece sem saber como chegar ao “lado de lá”. Sentindo-o, por vezes sofrendo com ele, sonhando-o sem conseguir mais do que contemplá-lo, como um satélite solitário condenado a observar as estrelas.
Às vezes, no entanto, o sonho é a única coisa que vale a pena…
3 comentários:
Adoro Murakami e adoro este Sputnik, Meu Amor. É um dos meus favoritos dele. :)
Há tempos alguém disse que Murakami lhe fazia lembrar Paul Auster. Na altura pareceu-me forçada, essa perspectiva, mas o certo é que, pelo menos neste livro, senti fortes pontos de contacto...
Só li um do Paul Auster, por isso não consigo fazer essa relação. Mas, se assim é, tenho mais um incentivo para ler mais livros do Paul Auster. :)
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