quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Verão - J. M. Coetzee

Um jovem biógrafo decide investigar a vida de J. M. Coetzee entre 1972 e 1977, após a sua morte. Trata-se, portanto de um livro autobiográfico. No entanto, neste tipo de obras é sempre impossível distinguir a realidade da ficção. Na verdade, o leitor comum, que não conhece a vida real de Coetzee fica sempre sem saber se tudo o que se descreve corresponde, de facto, à realidade. Acautelemo-nos, portanto, encarando este livro como uma espécie de biografia ficcionada, tão ao gosto do autor, já desenvolvida em livros anteriores.
Aliás, penso que o que menos interessará aqui é saber se os pormenores correspondem a realidade ou ficção. O que marca, de facto, este livro, é a visão que o autor tem de si próprio: uma visão nada optimista, algo desencantada, quase deprimida. Coetzee vê-se a si próprio como uma pessoa indecisa, sem garra, desenquadrado do mundo em que vivia: a África do Sul do apartheid, da injustiça e da pobreza. Coetzee (que escreveu este livro em 2008, quase com 70 anos) não se vê a si próprio como um grande escritor mas apenas como um homenzinho ordinário.
O livro é constituído por cinco pretensas entrevistas do biógrafo a quatro mulheres e um homem que terão convivido com Coetzee nesse período (antes dos primeiros sucessos literários). Curiosamente, nenhuma dessas personagens guarda do autor memórias muito positivas; a ideia geral é esta: Coetzee era um ser humano quase amorfo, tímido, embora culto e generoso. Algo sonhador mas com pouca propensão para procurar concretizar os sonhos. Quase como se aceitasse a realidade como imutável, como se identificasse os problemas e as injustiças mas considerasse que lutar seria sempre inútil.
John Coetzee tem medo da mudança. Prefere a inacção. Daí também a sua “incompetência com as mulheres”, o que gera momentos divertidos na leitura deste livro, tal é a forma desajeitada como lida com o sexo oposto. Por detrás deste auto-conceito na forma como é descrito, talvez esteja uma perspectiva crítica do autor em relação ao papel social da mulher, como se fosse exigido ao homem tomar sempre a iniciativa, deixando à mulher o papel passivo de se deixar (ou não) seduzir. Desta forma, um homem que não tomasse a iniciativa da sedução seria sempre um homem incompetente.
Outra ideia que parece estar por detrás deste enredo é a literatura como forma de resistência em relação à morte. Coetzee imagina-se morto; imagina o trabalho de um biógrafo, preocupado com a revelação de pormenores da vida do falecido, como se a escrita fosse uma forma de perpetuar a vida. Por isso não se pode entender esta visão deprimida de si próprio com qualquer auto-comiseração: tudo se passa como se o autor tivesse um certo orgulho nessa personalidade discreta e passiva, ao ponto de desejar a sua perpetuação nas páginas de um livro.
Enfim, uma obra de grande valor literário mas que, para o leitor comum, pode deixar a ideia de ser muito auto-reflexiva, muito centrada no próprio escritor. Pessoalmente, penso que o efeito lúdico que a leitura deve sempre ter perde-se um pouco neste mundo fechado do autor.

Imagem retirada daqui
Avaliação pessoal: 8/10.

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