segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Frei Luís de Sousa - Almeida Garrett

Esta peça é considerada uma das obras mais marcantes no teatro romântico português. No entanto (e sem que eu seja um especialista na matéria) parece-me nítida a influência da tragédia grega no enredo construído por Garrett.
Depois da malfadada batalha de Alcácer Quibir, onde desapareceu o ingénuo e mítico rei D. Sebastião, terá desaparecido também D. João de Portugal. Vinte e um anos depois, a sua esposa, D. Madalena de Vilhena, encontra-se casada com Manuel de Sousa Coutinho, já com uma filha, Maria. Tinha sido aceite como dado adquirido a morte de D. João. No entanto, Madalena vivia atormentada pelo medo; o eventual aparecimento do desaparecido marido faria com que ela e D. Manuel caíssem de imediato em pecado e em desgraça perante a sociedade. Maria, por seu turno, seria considerada filha do pecado. O drama agudiza-se quando, ainda no primeiro acto, Madalena confia a Telmo, o velho e fiel escudeiro, que o acender da paixão por D. Manuel dera-se ainda em vida de D. João.
E a tragédia abate-se quando, de facto, D. João aparece, disfarçado de romeiro.
Como é típico da tragédia grega, deparamos com uma situação em que os principais personagens revelam uma espécie de sentimento de culpa, uma espécie de “sina”, de destino manchado pelo pecado, pelo erro: Madalena porque amou Manuel sem que tivesse a certeza da morte do marido e Manuel porque aceitou o casamento mas também porque se revoltou contra o rei (Filipe II de Espanha que entretanto se tornara rei de Portugal), queimando o seu próprio palácio para não dar guarida aos governadores.
Depois de nos ter apresentado estes personagens dominados pelo medo, Garrett faz precipitar o drama, apresentando duas situações trágicas que levam o leitor (ou espectador) à comunhão com o sofrimento das personagens: o incêndio da casa e, principalmente, o aparecimento envolto em mistério e ambiente dramático, de D. João, sob a forma literariamente brilhante do Romeiro. Mas não ficamos por aqui: a acção precipita-se e a tragédia atinge o seu clímax no terceiro acto, com a doença fatal de Maria, a sua morte absolutamente dramática e o desenlace da relação entre Madalena e Manuel.
O brilhantismo desta obra, na minha opinião, resulta da brilhante conjunção de três elementos: a tragédia grega desenvolvia dom rigor e eficácia, a exploração do fatalismo sebastianista e a introdução ao teatro e literatura romântica portuguesa.
O sebastianismo está bem marcado na forma como a saudade se mistura com o pessimismo, o fatalismo, típico da mentalidade moderna portuguesa: D. Sebastião e D. João não são vistos apenas com saudade mas também como uma espécie de fantasmas. O aparecimento de D. João não é um acto de redenção ou de esperança; é, pelo contrário, o despoletar da tragédia.
Finalmente, o anúncio do romantismo português: não apenas no transporte da História de Portugal para a literatura e teatro mas também a exploração profunda da psicologia dos personagens: valorizam-se os sentimentos “humanos” das personagens, que tentam agir racionalmente (veja-se a luta patriótica de Manuel Coutinho) mas que acabam, invariavelmente, subjugados pelo destino fatal da desgraça.
Trata-se de uma obra notável, ainda, pela forma como é capaz de agradar a qualquer tipo de leitor ou espectador porque desperta sentimentos e interesses bem diversificados; é possível ler este livro deixando-nos levar pelo simples prazer de ler, como é possível ler como quem estuda a História e a Psicologia deste país.

4 comentários:

Teté disse...

Bom, este li ainda andava no liceu e não me cativou por aí além: esse ambiente de tragédia grega torna-o muito soturno. E quando se tem 15 ou 16 anos, não é certamente a leitura predileta... :)

Unknown disse...

Pois, por isso é que eu acho muito discutível que estas obras sejam analisadas no ensino secundário. É que eu na altura também não gostei nada...

susemad disse...

Pois eu adorei! :) Sempre fui muito dada a "tragédias gregas"! Ehehe
Fiquei tão fã da obra, que sempre que havia alguma peça em cena aproveitava para ir vê-la. A minha preferida foi uma que fui ver a Lisboa, num teatro amador, se não estou em erro...

N. Martins disse...

Curiosamente esse foi um dos livros que li no secundário e dos únicos, sem ser em prosa, de que gostei. Não leio teatro nem poesia, pelo que, no meu caso se o não tivesse lido na escola talvez nunca o tivesse lido... Seria uma perda, porque gostei bastante. :)