terça-feira, 8 de novembro de 2011

O Conde de Abranhos - Eça de Queirós


O Conde de Abranhos é uma sátira à classe política portuguesa. Escrito em 1878, este livro mantém, é bom de ver, uma incrível actualidade. Trata-se de uma espécie de biografia de Alípio Abranhos, escrita pelo seu fiel secretário, Z. Zagalo, um imbecil que julgando fazer-nos um eloquente elogio de Alípio nos vai desvendado todos os testemunhos da sua incompetência e oportunismo.
Por exemplo, os antecedentes familiares, usados pelo “biografo” para ilustrar a nobreza do conde não passam de façanhas de arruaceiros e bêbados. O Conde começa assim a surgir como uma caricatura do nobre aldeão, com o título dado pelo rei. Eça é pouco sensível ao bucolismo, talvez por aversão aos poetas românticos. A educação rural de Alípio é parodiada.
O certo é que o jovem Alípio desde cedo desejava fugir da ruralidade. Havia que fugir dos pobres, mesmo tratando-se do seu próprio pai. «Isole-se o pobre!» é o seu primeiro pensamento político. Assim, deixa os próprios pais na miséria para que não o envergonhem na capital.
Alípio abominava o princípio “pernicioso da igualdade das inteligências, base funesta de um socialismo perverso”, assim como a “funesta tendência” de querer saber a verdade das coisas. Para felicidade dos povos, a ignorância é fundamental. Que o povo acredite, aceite e não questione: eis um princípio fundamental para Alípio.
Na Universidade, ele é um delator elogiado, um “lambe botas” como haveria de ser pela vida fora, como político de sucesso.
A sua primeira vitória política foi a eleição como deputado por Freixo de Espada à Cinta, mesmo não conhecendo a terra, que pensava situar-se no Minho. Será escusado dizer que hoje não é muito diferente…
O certo é que Alípio não se cansou de “dar graxa” aos freixenses. Mas quando se livrou deles apelidou-os de “horda de carrapatos!”
Faz sucesso no parlamento graças a discursos barrocos e balofos, sem conteúdo.
No entanto, em breve Alípio se transforma noutra figura típica da política portuguesa: o vira-casacas. Afinal os partidos são todos iguais, por isso mas vale estar do lado do que ganha…
Na parte final da brilhante carreira deste imbecil típico da classe política lusa, Abranhos é nomeado ministro da Marinha; o Rei aceita a nomeação porque, embora não o conheça, “tem uma senhora muito galante”. Abranhos rejubila com a nomeação embora detestasse o mar e os navios. Não sabia o que era latitude e longitude; não sabia onde ficavam as colónias: só 18 meses depois da nomeação ficou a saber onde se situa Timor.
O final do livro assume um tom mais sério: Portugal é invadido, durante uma guerra em que a Alemanha invadira a Holanda, forçando uma declaração de guerra por parte da Inglaterra. Nesta fase, o narrador assume um papel diferente, extraindo uma espécie de lição de moral da história: “o que nos faltou foi almas!”, conclui Zagalo; não fomos derrotados por falta de exército, marinha ou armamento. Foi por falta de alma, de génio, de capacidade de luta.
A defesa foi anedótica; como sempre, todos esperavam que o governo resolvesse tudo; ora os governos não resolvem nada. No entanto, o governo é o pai de todos, o ser superior que todos veneram, mesmo que constituído por imbecis.
Imagem retirada daqui.

3 comentários:

Miguel Nunes disse...

Cada vez mais a frase com que ilustrou o texto se mantém na minha cabeça.
Desconhecia no entanto que provinha desta obra.
Boas leituras Manuel :)

Teté disse...

Fiquei com imensa vontade de ler. E numa coisa tens razão: o Eça é sempre atual nestas suas análises políticas, apesar de mais de um século volvido após a sua morte. Ou será que os políticos atuais é que têm a mesma "fibra" dos que governavam no seu tempo?! ;)

Enfim, vou ver se o "apanho" por aí! :)

Unknown disse...

Está bem visto, Teté... parece que eles é que são da mesma massa...