quarta-feira, 11 de junho de 2014

Uma outra voz - Gabriela Ruivo Trindade


Sinopse:
José Mariano Serrão foi um republicano convicto que contribuiu decisivamente para a elevação de Estremoz a cidade e o seu posterior desenvolvimento. Solteiro, generoso e empreendedor como poucos, abriu lojas, cafés e uma oficina, trouxe a electricidade às ruas sombrias e criou um rancho de sobrinhos a quem deu um lar e um futuro. É em torno deste homem determinado, mas também secreto e contido, que giram as cinco vozes que nos guiam ao longo destas páginas, numa viagem que é a um tempo pessoal e colectiva, porque não raro as estórias dos narradores se cruzam com momentos-chave da história portuguesa. Assim conheceremos um adolescente que espreitava mulheres nuas e ria nos momentos menos oportunos; a noiva cujos olhos azuis guardavam um terrível segredo; um jovem apaixonado pela melhor amiga que vê a vida subitamente atravessada por uma tragédia; a mãe que experimentou o escândalo e chora a partida do filho para a guerra; e ainda a prostituta que escondia documentos comprometedores na sua alcova e recusou casar-se com o homem que a amava. Por fim, quando estas vozes se calam, é tempo de ouvirmos o protagonista através de um diário escrito noutras latitudes e ressuscitado das cinzas muitos anos mais tarde.
Baseado em factos reais, Uma Outra Voz é uma ficção que nos oferece uma multiplicidade de olhares sobre a mesma paisagem, urdindo a história de uma família ao longo de um século através das revelações de cada um dos seus membros, numa interessante teia de complementaridade.
in wook.pt
Comentário:
O simples facto de a narrativa ser feita em cinco vozes dá ao livro um aspecto original que muito terá contribuído para o prémio Leya com que foi agraciado. Na verdade, trata-se de um estilo algo inovador que nos permite ter uma visão global de uma personalidade, vista por cinco narradores bem distintos.
Por outro lado, o livro associa com algum sucesso a ficção à biografia. Se acrescentarmos a isto uma escrita fluída, clara e um autêntico passeio pelo século XX português, encontramos talvez a explicação completa para a seleção do júri deste prestigiado prémio.
Mesmo assim, eu, leitor comum e desinteressado, não deixo de ficar algo surpreendido. O livro tem qualidade mas a verdade é que não consigo encontrar nele nada que verdadeiramente traga inovação. Por outro lado, a narrativa acaba por se perder em bruscos saltos temporais que dão ao livro um aspeto de "manta de retalhos" sendo que alguns deles parecem claramente desenquadrados do tema central, a vida do benemérito republicano João José Mariano Serrão. 
Talvez a expetativa fosse demasiado elevada quando parti para a leitura, no entanto fica a sensação de que falta aqui algo que distinga realmente o livro das centenas que todos os meses se publicam em Portugal.
Esperava mais e melhor, é certo. No entanto, como referi, a obra tem qualidade. 
O aspecto mais positivo centra-se na forma como a vida do protagonista testemunha momentos chave da nossa história, como o movimento republicano, com as suas contradições, dificuldades e conflitos, bem como a ascensão do Estado Novo, que terá precipitado a fuga para África do protagonista. 
Passando pelos últimos tempos da Monarquia, pela Primeira Republica, pelo Estado Novo e mesmo pelos primeiros anos da democracia, fica bem patente a força do conservadorismo luso, não só na evolução política como, acima de tudo, nos costumes e na mentalidade, o que acaba por se plasmar num quadro social dominado pelo preconceito, pela intriga interesseira e por uma certa perpetuação do obscurantismo.
Em suma, estamos perante um grande prémio para uma pequena desilusão.

10 comentários:

Carlos Faria disse...

Com esta sua publicação fiquei com a sensação que o Manuel Cardoso depois de ler o livro ficou com alguma desilusão, o que frequentemente eu também tenho sentido ao ler livros recém-premiados ou altamente elogiados pela crítica.
"Até reconheço que seja bom, mas tendo um prémio esperava mais..."

Denise disse...

Acontece-me sempre a mesma coisa quando me deparo com este livro: pondero comprá-lo durante muito tempo e depois acabo sempre por não o fazer.
Pelo teu comentário, acho que estou no caminho certo ;)

Boas leituras!

Unknown disse...

Carlos e Denise
é isso mesmo; os prémios literários, por este caminho estão a desacreditar-se rapidamente.
O que o Carlos certamente notou é que tenho muita dificuldade em dizer mal de um livro; tento sempre encontrar algo positivo. Por uma razão muito simples: em tempos o meu propósito para este blogue foi criar uma base de dados pessoal; depois, com o seu crescimento, juntei-lhe outro objetivo: incentivar a leitura. por isso, às vezes sou pouco coerente com o que realmente penso; porque a pior coisa que poderiam dizer do meu blogue é que faz má propaganda à leitura. Portanto, entre ler este livro e não ler nada (ou ler uma coisa qualquer propagandeada na tv) mais vale ler este livro. De longe. Por isso, Denise, aqui que ninguém nos ouve, estás no caminho certo :)
Abraço e beijinhos respetivamente

Denise disse...

Eheheh! :)

Entendo isso que dizes de teres dificuldade em dizer mal de um livro, mas por vezes há casos (pelo menos comigo) em que é mesmo impossível.
Aconteceu-me recentemente com o tão falado "As Pessoas Felizes Lêem e Bebem Café". Sabes, não gosto de partir do princípio de que se todos gostam, é porque é mau e então não vou ler. É presunçoso. Mas depois, quando me acontece este tipo de coisa, fico muito desalentada pelo facto de serem publicadas tantas obras, como gotas de chuva (e este Inverno foi potente!) e a qualidade ser questionável... (referindo-me meramente aquelas que tive oportunidade de ler, pois claro).

Desabafos! :)

Beijinho Manuel, boas leituras **

Cristina Torrão disse...

Muito interessante esta tua opinião (como todas, aliás). Vou ler este livro, não há dúvida, pelo simples facto de que leio todos os Prémios Leya. Mas dizes: "fica a sensação de que falta aqui algo que distinga realmente o livro das centenas que todos os meses se publicam em Portugal" - e eu lembro que, a este Prémio Leya, concorreram quase 500 originais!!! E a dúvida de que este teria sido o melhor aumenta. Eu, por acaso, contribuí com dois desses 500 e não insinuo que seriam os dois melhores do que o vencedor, longe disso (até porque ainda não li este e não posso ajuizar). Mas duvido seriamente que os originais concorrentes tivessem sido todos lidos! E os finalistas são sempre, de uma ou de outra maneira, das relações de uma famosa editora da Leya. No ano anterior, o vencedor até era um dos seus amigos. Talvez desse muito nas vistas tornar a vencer um deles...

Anónimo disse...

Realmente, Cristina, nunca tinha pensado nisso: teriam eles tempo de ler 500 livros?
Por favor ajuda-me a recordar: quando acabou o prazo de entrega e quando decidiram o prémio?

Cristina Torrão disse...

O prazo de entrega é sempre 31 de maio. Em 2013, o prémio foi anunciado em outubro, salvo erro, na primeira metade. É impossível ler tudo, até porque as pessoas responsáveis pela seleção dos finalistas são funcionários das editoras da Leya, já de si, cheios de trabalho. Os finalistas costumam ser dez, no máximo, o ano passado foram sete. O júri presidido por Manuel Alegre só lê os finalistas.
Enfim, já nem falo de tantas esperanças goradas. É péssimo para o ambiente, pois temos de enviar dois exemplares de cada original,mais uma cópia digital em CD ou PEN. Enfim, os correios fazem um bom negócio... ;)

Vicente Vivaldo Fino disse...

Já li dois prémios Leya, creio que o primeiro - daquele senhor que estava desempregado e lançou-se a escrever - e um do Nuno Camarneiro. Nem um nem outro me causaram a mínima emoção. Este que nos traz aqui não tenciono sequer ler porque a única "crítica" positiva que lhe li foi da tal senhora amiga dos prémios Leya, mas também porque assisti a uma participação da autora num programa de televisão onde era suposto comentar a actualidade e achei-a uma nulidade aterradora. Bem sei que isso nem sempre quer dizer alguma coisa, mas foi um cartão de visita difícil de esquecer...

Anónimo disse...

Pois é Cristina, estou mesmo a imaginar meia dúzia de funcionários a escolher 490 livros para "arquivar" deixando dez para os iluminados lerem. Quanto aos outros, ficam a fazer lembrar "O Processo", do Kafka, afundados na burocracia.
Vicente, eu também não gostei nada desse livro do Camarneiro...

SEVE disse...

Quando acabo de ler um livro tenho sempre uma qualquer sensação ou de entusiasmo ou de decepção ou de alegria e neste a sensação que tive foi a do LOGRO, lamento dizer mas para além da decepção que foi o livro em si senti-me enganado pois afinal não é nada a anunciada história de um homem interessante (José Mariano Serrão) mas apenas uma série de novelas -de faca e alguidar- ao melhor nível de Corin Tellado e quanto ao José Mariano Serrão só tenho notícias quase no fim do livro e somente uma história da carochinha; este livro para mim foi um LOGRO, sei que a palavra é dura mas é o que sinto quanto estou a poucas páginas de acabar este livro e aqui o que digo é o que sinto, lamento que possa magoar alguém mas temos que ser verdadeiros e um prémio LeYa não pode ser um logro, ou há critério ou....afinal o rei vai nu!