sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

A Guerra dos Mundos - H. G. Wells


Comentário:
Antes de mais nada convém esclarecer uma confusão que também eu possuía antes de ler este livro: Orson Welles foi um cineasta e produtor de rádio e H. G.Wells foi o verdadeiro autor deste livro; a semelhança dos apelidos costuma gerar confusões.
Quando A Guerra dos Mundos, de Herbert George Wells foi adaptada a um programa de rádio, da responsabilidade de Orson Welles, em 1938, gerou um pânico enorme na população de Londres, uma vez que a obra retrata, de uma forma muito realista, uma invasão de marcianos. 
Para compreendermos tal fenómeno, convém fazer um pequeno enquadramento na época: 1938 foi o ano anterior ao início da Segunda Guerra Mundial; nessa altura, Hitler era uma séria ameaça à paz na Europa e podemos afirmar que o medo já estava bem patente na maioria dos cidadãos ingleses. O impacto de tal emissão é facilmente explicado por esse clima, aliado à genialidade do escritor Wells e do radialista Welles.
Por outro lado, convém ter em conta a época em que o livro foi escrito (1898). Vivia-se um clima de euforia na Europa, um tempo de prosperidade, mas também era claro que essa prosperidade escondia uma ameaça gigantesca: as grandes rivalidades na Europa que haveriam de conduzir à primeira guerra mundial; portanto, podemos afirmar que o livro é duplamente premonitório: podemos encarar a sua publicação como uma premonição da Primeira Guerra Mundial e a emissão de rádio é uma espécie de antecipação da Segunda.
Quanto ao livro em si, só encontro uma palavra para o definir: empolgante. Wells apresenta-nos e invasão como algo menos estranho à realidade do que possa parecer; logo no início do livro, ele adverte o leitor para esta verdade tão simples: porque é que havemos de estranhar uma invasão extraterrestre se toda a história do próprio homem está cheia de destruições maciças, provocadas pela sua própria agressividade? 

Repare-se   nas palavras do autor:

"Antes de formularmos a seu respeito um juízo demasiado severo, devemos recordar-nos que destruímos, implacável e totalmente, não apenas animais, como o bisão e o dodó, mas também raças inferiores. Os dasiúros, apesar da sua semelhança com os homens, foram inteiramente aniquilados no decorrer de uma guerra de extermínio empreendida por imigrantes europeus no espaço de cinquenta anos. Seremos tão piedosos que tenhamos o direito de nos lamentar se os marcianos fizerem a guerra movidos pelo mesmo espírito? "


Quanto aos marcianos que  invadem Inglaterra, há neles caraterísticas que merecem destaque pelo seu tremendo simbolismo. Por exemplo, eles não têm aparelho digestivo; “Eram cabeças – meras cabeças”. É impressionante como as caraterísticas aparentemente “monstruosas” dos marcianos não são mais do que a projeção de uma eventual continuação da evolução do homem, no sentido darwiniano, ou seja, fazendo com que órgãos ou membros menos úteis desapareçam (nariz externo, orelhas, cabelo, unhas, queixo, etc.) ao mesmo tempo que se desenvolvem de forma desmesurada os órgãos mais importantes, nomeadamente o cérebro e as mãos.
Da mesma forma, o aparelho digestivo reduz-se e o alien acaba por se alimentar diretamente do sangue das presas. Impressionante. Mas não é assim o ser humano enquanto predador?
A visão algo apocalíptica do autor é reforçada pela opinião negativa que ele emite sobre a natureza do ser humano, bem explícito no exemplo do padre. Trata-se de um homem da religião que manifesta um caráter problemático, egoísta, maldoso. Em plena contradição com o próprio pensamento religioso.
Outro pormenor curioso é o facto de um dos personagens principais, o artilheiro, através do seu discurso e dos seus planos, representar a crença na construção de um futuro melhor para a humanidade através de uma espécie de nova seleção natural, em que os mais fracos, os inúteis, são eliminados. Assim, há uma espécie de aproveitamento do lado positivo da desgraça: de como a “razia” provocada pela guerra (neste caso frente aos marcianos) funciona como uma forma de selecionar os melhores. 
O final do livro é interessante e, mais uma vez cheio de simbolismo; sem querer revelar o desfecho do enredo, é importante dizer que o maior inimigo da humanidade, ao longo dos seus 2,5 milhões de anos de História pode ser, ao mesmo tempo, a sua melhor defesa.

3 comentários:

Carlos Faria disse...

Li a obra há muitos anos para já não me lembrar de muitos simbolismos que provavelmente dei por eles ou me passaram despercebidos. Lembro-me que gostei.

Sara disse...

Esse ainda não li (não encontrei ainda...), mas li recentemente a Máquina do Tempo e noto alguns pontos em comum: é uma história mesmo empolgante - o viajante aterra no futuro e encontra um sociedade que parece uma utopia...Mas que esconde uns segredos obscuros. Nada é explicado de antemão - vamos percebendo as coisas ao mesmo tempo que a personagem o que faz parecer que estamos realmente dentro da história. Há bastante crítica social em relação à natureza humana em geral e há maneira como cruelmente se explora o outro. Para não confundir os apelidos, lembro-me sempre do Citizen Kane...Amo esse filme.

Unknown disse...

Carlos e Sara
talvezeu tenha a "mania" de procurar mensagens nos livros; se calhar isto é apenas uma bela narrativa; mas eu "li" aqui tanta história e tanta atualidade!!! O ser humano é por natureza destrutivo, por isso é natural que encaremos o fenómeno alien do ponto de vista do conquistador / conquistado. E esta conversa levava-nos tão longe!!!