sábado, 16 de maio de 2015

À Espera de Godot - Samuel Beckett

Comentário:
Há alguns dias vi num blogue amigo (aqui) um comentário muito interessante a esta peça de teatro e recordei-me de ter visto uma representação, salvo erro da Companhia de Teatro de Braga, há muitos anos atrás. Na altura eu era um jovem e, como tal, pouco dado a reflexões e talvez por isso achei a peça uma “valente seca”. Essas memórias levaram-me a ler a peça, com a pergunta subjacente: continuarei a achar a peça “uma seca” ou o seu inegável valor acabará por triunfar? Pois bem, depois de ler o texto, devo dizer que compreendo perfeitamente o tal jovem que saiu maçado do Theatro Circo de Braga nos anos 80. A peça é chata! Genial, mas chata. Não tem graça, não diverte, os diálogos são monótonos e obriga-nos a pensar. Mas… esperem lá… isto é um elogio; afinal os milhões de seres humanos que dizem que esta peça é genial lá terão também a sua razão; é que isto de esperar por um Godot ainda mais absurdo que o D. Sebastião tem muito de nosso. Não só de nós, portugueses que já nos basta o sebastianismo, mas de todos os seres humanos. Na maior parte das vezes nem sabemos se Godot é bom ou mau; e chegamos ao fim da vida sem saber, sequer, se valeu a pena esperar pelo Godot que nunca apareceu. Uma coisa é certa: o sentido da vida está precisamente nessa espera. A alternativa, tal como acontece com os personagens da peça, é pendurar a corda e esticá-la acima do nosso próprio pescoço…
Chamam-lhe teatro do absurdo mas isto parece-me bem real. E enquanto esperamos o que fazemos: falamos de banalidades; trocamos ideias; conhecemos gente como nós, que espera Godot ou outra coisa qualquer; algumas dessas pessoas até têm escravos para satisfazer algumas necessidades… mas nem essas conseguem evitar a angústia da espera…
Ao fim e ao cabo, do que aqui se trata é do “deixar passar a vida”, que é um dos grandes dramas de todos nós. Há sempre algo para fazer, algo para nos distrair e nem damos conta do tempo que passa, das coisas que ficam por fazer mas… mas afinal havia algo para fazer? Afinal será algum drama esperar por Godot? Não será esse o destino de todos nós? E tem isso de ser obrigatoriamente mau? É que Godot pode até ser a nossa salvação! 
Enfim, como se vê, a peça cumpre a sua função: levantar questões e, como obra de arte que é, suscitar interpretações, sejam elas tão doutorais como as inúmeras teses a que já deu origem, sejam apenas diletantes e amadoras no melhor sentido do termo, como a minha.

Sinopse: (in wikipedia.pt)
A rubrica inicial define: Estrada, árvore, à noite (Route à la campagne, avec arbre. Soir). Em cena Estragon e Vladimir. Aparentemente esperam um sujeito de nome Godot. Nada é esclarecido a respeito de quem é Godot ou o que eles desejam dele. Os dois iniciam longo diálogo, só interrompido quando da entrada de Pozzo e Lucky. Lucky carrega uma pesada mala que não larga um só instante. O segundo ato desenvolve a mesma dinâmica. O cenário é o mesmo, apenas a árvore está um pouco diferente, agora com algumas folhas. Estragon e Vladimir iniciam sua jornada na espera de Godot. Surgem novamente Pozzo e Lucky. Pozzo está cego e Lucky surdo. Após a partida destes, aparece novamente um garoto anunciando novamente que Godot não virá, talvez amanhã. O diálogo final, que encerra o ato e a peça é o seguinte:
Vladimir: Então, devemos partir? (Alors, on y va?) (Well, shall we go?)
Estragon: Sim, vamos. (allons-y.) (Yes, let's go.)
Eles não se movem. (Ils ne bougent pas.) (They do not move.)

3 comentários:

Carlos Faria disse...

Só vi a peça representada por amigos meus aqui na Horta e foi há poucos anos, pelo que para mim já tinha uma bagagem para ver esta obra com olhos diferentes do que pode ser considerado uma seca quando se é jovem e confesso que adorei.
Sim, penso que a obra denuncia mesmo esta seca de viver eternamente à espera de algo, alguém que mude isto, aquele: vamos? mas onde ninguém se mexe.
Até tem um monólogo divertido, o resto é de facto um levantar de inquietações através do absurdo.

Unknown disse...

Olá Carlos
Além de ter visto a peça numa idade mais madura, o Carlos viu uma representação, enquanto eu li um texto (da representação que vi há 30 anos quase nada recordo). Acredito que uma boa representação pode dar a este texto uma certa graça, para além do interesse filosófico que lhe reconhecemos. É por isso que não gosto de ler teatro; as peças foram escritas para serem representadas....

susemad disse...

Gostei muito desta tua opinião, Manuel!
Depois de ter visto a peça, fiquei com alguma curiosidade em a ler, mas partilho também da tua opinião de que as peças devem ser mais vistas do que lidas. ;)
Um abraço!