Comentário:
Cadernos dos Subterrâneo ou Notas do Subsolo, Memórias do
Subsolo, Diário do Subsolo ou ainda A Voz Subterrânea, conforme a tradução, é o
livro mais negro, mais pessimista do grande mestre russo. Não sei qual dos títulos
se aproxima mais do original russo mas qualquer deles reflete o espírito da
obra: uma análise do interior mais profundo da mente humana.
Já alguém afirmou que se trata da primeira obra
existencialista da história da literatura. Eu não ia por aí; o contexto e a
arte literária de Fiodor está muito longe dos existencialistas franceses como Sartre
ou Camus. Aqui trata-se, antes de mais, de uma visão pessimista da condição humana que faz deste livro a obra menos agradável de Dostoievski. Para quem,
como eu, aprecia os belos enredos das grandes obras deste génio, torna-se algo
tortuoso deparar com tanto pessimismo, tanta reflexão negativa.
O herói do livro é o típico anti-herói: o homem maldoso,
egoísta, cruel que considera a bondade como fraqueza. Um homem inteligente é um
homem sem caráter; um homem inteligente é um homem de ação, não de reflexão e
essa ação pode perfeitamente ser considerada como maldade. A ação, por sua vez,
deve derivar mais da vontade que da razão. Por vezes o homem age mesmo contra a
sua própria pessoa porque por vezes é essa a sua vontade superior. Tudo o que o
homem precisa para se realizar é de uma vontade independente, suprema, à qual
ele se deve submeter.
Depois há homem normal: covarde, apático, escravo da sua condição
de normal.
Esta é a visão teórica da condição humana.
No entanto, na segunda parte do livro, esta perspetiva
teórica choca de frente, de forma estrondosa, com a realidade. E essa realidade
é-nos apresentada através da estória concreta do próprio narrador, num episódio
da sua vida, a sua relação com Lizza, uma prostituta.
No contanto com a realidade, podemos dizer com algum humor,
que lá se vai o super-homem! Perante Lizza, a prostituta, o narrador acaba por
encontrar a sua verdadeira condição humana: escravizado ao amor ou a algo que
ele não consegue entender. Perante o seu criado, que o chantageia, lá se vai
mais uma vez o poder! Ele escraviza-se ao próprio criado que controla
totalmente a sua vida. Ou seja, perante o criado e perante Lizza, acaba-se a
teoria do super-homem porque a realidade não se compadece com uma vida ideal, livre,
que o espírito teórico desenha na perfeição.
Em conclusão: por mais belos que sejam os ideais, o autor
cai na realidade como se ela fosse um abismo: a infelicidade total. Na primeira
parte o nosso anti-herói odeia-se porque não consegue corresponder à noção de
homem ideal que o seu espírito desenha e na segunda parte ele descreve, com
algum humor a forma como esse choque se processa.
5 comentários:
Por ser o livro de Dostoievski que mais se distingue dos outros dele, é que esta obra me tem despertado ultimamente uma maior curiosidade, as ainda não chegou a sua vez.
Tanto pessimismo junto, afasta-me um pouco a vontade de o ler. Para já, até porque tenho aqui obras do autor para começar a desbravar.
Boas leituras Manuel :)
Tenho este livro, saiu-me em brinde no DN. Uso-o como base do copo dos pincéis há dois anos e, até hoje, não está manchado. No interior tenho lá a secar uma erva bonita que encontrei no campo. É um dos meus livros mais úteis. Bem... talvez a A Estalagem das Duas Bruxas de Joseph Conrad, que me serve de base para escrever notas na cozinha, tenha igualmente uma utilidade significativa...
Na linha... leve no preço e no número de páginas recomendo Bartleby, o Escrivão de Herman Melville. Uma tarde bem passada. E o belíssimo Davam Grandes Passeios ao Domingo de José Régio?
Melville e Régio:mais 2 grandes senhores que ainda não li.
Mas não foi o José que me sugeriu este livro do Fiodor? Ou sugeriu-o para base de copos? :) é que eu não bebo nem pinto :)
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