Comentário:
Para compreender este livro é fundamental ter em conta o
momento em que foi escrito, ou melhor, o contexto da época. A obra foi
publicada no ano de 1932. Trata-se de um momento histórico fulcral: nos EUA e
nos países ditos capitalistas viviam-se as consequências da crise bolsista de
1929, ou seja, a grande depressão, tão bem descrita por Steinbeck em As Vinhas
da Ira. Foi nessa crise terrível que desembocou o crescimento desmedido em
desorganizado dos anos 20, em que pontificou Henri Ford, como exemplo máximo do
alienante trabalho em cadeia, parodiado magistralmente por Charlie Chaplin em
Tempos Modernos. E é precisamente Henry Ford que Huxley ressuscita como uma
espécie de ser superior neste livro. Ford é o modelo sagrado.
Por outro lado 1932 é também o ano de afirmação de Hitler na
Alemanha. Aí, como em Itália, na Espanha, em Portugal e na União Soviética
pontificava o totalitarismo, que é o outro lado do sistema descrito por Huxley
neste livro, transposto para o século XXVI.
Está assim traçado o cenário para a distopia de Huxley: uma
sociedade em que os cidadãos são submetidos a um processo de estandardização,
como nas fábricas Ford e, afinal, como em toda a indústria capitalista moderna,
em que a liberdade é uma ameaça e, como tal, totalmente banida e em que, pela
mesma razão se eliminam todos os traços de individualidade. A arte, a beleza, a
cultura, são também banidos por colocarem em causa o coletivo em nome da
subjetividade. O Selvagem, personagem central do livro e que representa uma “réstia”
de seres humanos não condicionados, cita Shakespeare e encara o escritor como
uma fonte de verdade e de beleza. O próprio título do livro, irónico, é um verso
do grande dramaturgo inglês.
Tradicionalmente, este livro é considerado de ficção
científica. No entanto, quando falamos deste género referimo-nos normalmente a
obras que retratam um mundo tecnologicamente avançado, num futuro distante. Mas
neste livro há duas diferenças em relação ao padrão: o mundo imaginado é uma distopia;
o nosso mundo é visto no sentido da perda. Por outro lado, a assustadora
mudança que o livro nos mostra é bem real e já neste início do século XXI
podemos ver no nosso mundo sinais desta distopia, deste futuro negro que pode
esperar a humanidade.
O traço distintivo mais dramático desta obra é a ausência de
liberdade e a aceitação geral da ideia de que a liberdade impede o progresso. Em
contraponto, advoga-se uma espécie de felicidade coletiva, controlada pelo Estado
e fundada sobre o condicionamento do indivíduo. Com uma certa dose de humor, Ford
é o Deus. Desta forma, Huxley estabelece a ligação entre a felicidade coletiva
e o avanço tecnológico. O problema é que esse conceito de progresso só é viável
basado na alienação do indivíduo. Os próprios seres humanos deixam de ser
concebidos na forma natural para serem “fabricados” em verdadeiras linhas de
montagem, estandardizados à maneira dos Ford dos anos 20 do século passado. Assim,
condicionamento, alienação, normalização, coletivismo e submissão são as palavras-chave
deste admirável/abominável mundo novo.
Em conclusão: estamos perante uma obra de génio, um clássico
da literatura mundial, pela lucidez na análise do presente e do futuro da
humanidade e do próprio homem: a demência é o resultado da estandardização e da
alienação: o ser humano é reduzido à incapacidade de pensar e de agir de acordo
com a vontade. Daí a necessidade de eliminar os sentimentos, substituídos por
um prazer artificial, puramente físico, obtido com base nas máquinas e em substâncias
artificiais. Obtém-se assim uma sociedade onde não há dor nem infelicidade. Mas
onde se perdeu a liberdade, a capacidade de amar e, enfim, a própria
humanidade.
Sinopse:
Publicado em 1932, Admirável Mundo Novo tornar-se-ia um dos mais extraordinários sucessos literários europeus das décadas seguintes. O livro descreve uma sociedade futura em que as pessoas seriam condicionadas em termos genéticos e psicológicos, a fim de se conformarem com as regras sociais dominantes. Tal sociedade dividir-se-ia em castas e desconheceria os conceitos de família e de moral. Contudo, esse mundo quase irrespirável não deixa de gerar os seus anticorpos. Bernard Marx, o protagonista, sente-se descontente com ele, em parte por ser fisicamente diferente dos restantes membros da sua casta. Então, numa espécie de reserva histórica em que algumas pessoas continuam a viver de acordo com valores e regras do passado, Bernard encontra um jovem que irá apresentar à sociedade asséptica do seu tempo, como um exemplo de outra forma de ser e de viver. Sem imaginar sequer os problemas e os conflitos que essa sua decisão provocará. Admirável Mundo Novo é um aviso, um apelo à consciência dos homens. É uma denúncia do perigo que ameaça a humanidade, se a tempo não fechar os ouvidos ao canto da sereia de uma falsa noção de progresso.
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