Comentário:
Publicada em 1885 esta obra é um verdadeiro marco na afirmação do romance francês, num plano completamente diferente de Flaubert e outros realistas que pontificavam naquele tempo. Aliás, a crueza e a emoção com que a ação é descrita levam a que os críticos literários apontem Zola como o maior representante do Naturalismo. “Ismos” à parte, que pouco nos interessam, Zola expõe neste livro a situação dramática dos mineiros na extração de carvão e respetivas consequências políticas quando as ideias socialistas começam a ter impacto na Europa central. Mais tarde, Gorki colocará estas ideias num plano mais concreto, com A Mãe; estará feita nessa altura a ligação entre os livros e a ação política. Germinal é talvez a obra onde mais facilmente se pode reconhecer a linha de contacto entre o realismo literário e a ideologia socialista.
As condições de vida destes mineiros não são muito diferentes das que Follett descreve para os camponeses da Idade Média, ou dos pobres da Roma antiga descritos por Steven Saylor ou dos pobres de hoje. Afinal, a miséria, a injustiça, a desigualdade e a exploração são intemporais…
Um dos episódios mais marcantes deste livro é aquele em que Catherine, na mina, perante o calor insuportável é forçada a tirar toda a roupa; a sua nudez, perante os mineiros homens, é descrita com o a perda total da dignidade; a miséria não se exprime só pela falta de comida e de quaisquer comodidades por parte destes mineiros; exprime-se também pela perda total da dignidade. Como alguém escreveu um dia, não há dignidade na pobreza…
“As grandes empresas, com suas máquinas, esmagavam tudo, e não se tinham sequer as garantias de outrora, quando o pessoal da mesma profissão, reunido em corporações, sabia defender-se. Raios! Era por isso, por isso e por muitas outras coisas, que este mundo acabaria explodindo um dia, graças à instrução.”
A nós, cidadãos do século XXI já não nos choca o contraste brutal entre o luxo dos administradores da mina e a miséria das famílias dos mineiros. Infelizmente, já todos sabemos como eram (e são) revoltantes mas verdadeiros tais contrastes. Mas na sociedade burguesa de finais do séc. XIX, este tipo de literatura teve um impacto brutal. Foi nestas narrativas que se baseou grande parte do sucesso do socialismo marxista, com especial relevo para os escritores russos, percursores da triunfal revolução de 1917. Zola, neste livro, chega mesmo a citar diretamente Marx. Note-se que à data da publicação do Germinal (1885) ainda não tinha terminado a publicação (em fascículos) de O Capital (o primeiro data de 1867 e o ultimo já em 1905 a título póstumo) mas já o Manifesto Comunista (1848) tinha corrido a Europa, com as ideias essências de Marx no plano social e político.
Entretanto surgem as divisões entre os revolucionários; alguns acham que as greves são insuficientes. Diz Etienne: “A mina deve ser do mineiro, como o mar é do pescador, como a terra é do camponês.” Esta fação radical, que vai ao ponto de pretender destruir toda a propriedade, as instituições e até o Estado opõe-se à fação moderada, aqui representada pelo taberneiro Rasseneur.
Mas os conflitos e mesmo a violência entre os seres humanos parece ser intrínseca da nossa própria natureza; não é a miséria apenas que causa o conflito, porque os burgueses também entram em conflitos bastante violentos. O que há é uma crença clara no determinismo económico bem ao estilo marxista: Zola parece acreditar que o conflito, não só a incontornável luta de classes como os próprios conflitos dentro da própria classe derivam das condições materiais da existência, ou seja, do fator económico.
No entanto, o sentido mais grave da violência é vertical; é de cima para baixo; é da classe dominante, a burguesia, sobre os desprotegidos e esfomeados, os proletários. É quando essa violência acontece que o livro entra numa fase verdadeiramente dramática. Revoltante. E o que mais revolta é sentirmos, cento e tal anos depois, que essa violência foi e é real, apoiada no poder político dito liberal, que protege sempre o interesse burguês.
Sinopse: (in http://www.companhiadasletras.com.br )
Um dos grandes romances do século XIX, expressão máxima do naturalismo literário, Germinal baseia-se em acontecimentos verídicos. Para escrevê-lo, Émile Zola trabalhou como mineiro numa mina de carvão, onde ocorreu uma greve sangrenta que durou dois meses. Atuando como repórter, adotando uma linguagem rápida e crua, Zola pintou a vida política e social da época como nenhum outro escritor. Mostrou, como jamais havia sido feito, que o ambiente social exerce efeitos diretos sobre os laços de família, sobre os vínculos de amizade, sobre as relações entre os apaixonados.
Germinal é o primeiro romance a enfocar a luta de classes no momento de sua eclosão. A história se passa na segunda metade do século XIX, mas os sofrimentos que Zola descreve continuam presentes em nosso tempo. É uma obra em tons escuros. Termina ensolarada, com a esperança de uma nova ordem social para o mundo.
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