domingo, 16 de janeiro de 2005

Um Mundo Infestado de Demónios - Carl Sagan

O melhor divulgador científico que a Humanidade já conheceu e um dos homens maiores de todos os tempos escreveu esta obra um ano antes de morrer, vítima de uma estúpida e fatal doença. A pseudo-ciência é um dos alvos da crítica mordaz mas esclarecida de Sagan, por vezes aliada ao poder político, outras vezes sustentada pela crendice, cujo sucesso se deve à facilidade com que acreditamos naquilo que nos fascina. O fascínio é, na verdade, mais poderoso que a verdade. O “rosto humano” da Lua e os “canais de Marte” são dois exemplos práticos de mitos do século XX que prevalecem porque se baseiam na fantasia que encandeia qualquer cérebro desprevenido. Na verdade é fácil acreditar naquilo que se deseja ser verdadeiro. Um dos alvos mais insistentemente visados por Sagan é a crença nas visitas alienígenas. No entanto estas crenças estão muitas vezes ligadas a interesses económicos e políticos que Sagan combate poderosamente. Por exemplo, o secretismo que rodeou a Guerra Fria justificou a desconfiança quanto a informações governamentais. Tal secretismo forneceu o ambiente propício à propagação das “visões” e das crenças. Num terreno extremamente movediço, Sagan arroja-se a relacionar as crenças pseudo-cientificas do século XX com o contexto da religião cristã tradicional que criara fenómenos como a Inquisição, integrando também nesta análise as falácias das visões milagrosas da religião católica. No entanto, fica clara nesta obra a tolerância de Sagan perante toda e qualquer crença religiosa. Não é a religião que está em causa mas apenas as tentativas de explicar fenómenos científicos mediante a crença. A estupidificação da América, na palavra de Sagan é o drama maior do seu/nosso tempo, apontando o dedo a toda uma plêiade de embustes como curandeiros e prestidigitadores que se servem da ignorância das pessoas. No entanto, aponta também o dedo às estruturas do poder político como responsáveis por um sistema educativo ineficaz que permite e até cultiva a ignorância. A relatividade do conhecimento científico, é, no entanto, um facto indesmentível. E é com grande modéstia que Sagan admite os seus próprios erros. Admite também com frontalidade as consequências por vezes dramáticas do progresso cientifico, apontando como exemplo as investigações de Teller que levaram à bomba de hidrogénio. O livro tem como ponto alto a explicação das temíveis equações de Maxell. Talvez nunca ninguém tenha explicado de forma tão simples e atractiva aquelas complicadas relações entre electricidade e magnetismo. Um exemplo de como as ciências matemáticas podem ter implicações práticas preciosas. Nesta obra é impressionante o respeito de Sagan por ideias e concepções tão afastadas da ciência! Ideias que ele reprova liminarmente são sempre analisadas com aquela tolerância que só o conhecimento científico e uma mente brilhante podem suscitar. Impressionante também é o optimismo inabalável perante a ciência, em contraste com uma visão deprimida, profundamente pessimista com que Sagan vê a sua América! Ontem como hoje! Que diria Sagan da América de W. Bush?

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