Nascido no Perú em 1936 e prémio Nobel da Literatura em 2010, Mario Vargas Llosa configurava uma das grandes lacunas deste blogue. De facto, este foi o primeiro livro que li de Llosa. Não sou, como já disse várias vezes, apreciador da narrativa curta mas este livro é um dos melhores exemplares do género que li até hoje.
Na verdade, a escrita terrivelmente económica de Llosa dá espaço para um estilo cheio de simbolismo em que nada é deixado ao acaso. Os dois contos que dão título à obra encerram um simbolismo que, no entanto, não dão à escrita um carater hermético como tantas vezes acontece em obras do género. Tudo é claro e transparente. Senão vejamos:
No primeiro conto, Os Cachorros, narra-se a história de uma criança, depois adolescente e adulto, cuja vida fica marcada pelas regras rígidas de uma escola interna onde o convívio com colegas e professores é por vezes bastante duro. A essa violência do dia a dia junta-se um episódio dramático em que o nosso herói é mordido por um cão na zona genital. Obviamente, ele ficará marcado para o resto da vida e o seu destino ficará determinado por este acontecimento. No entanto, a castração de que foi vítima simboliza claramente muito mais do que o episódio do cão; representa todo o contexto social e educacional, todo ele castrador de que foi vítima. Assim, os Cachorros, assim mesmo nomeados no plural, só poderão ser entendidos como os seres humanos que rodearam o pobre e infeliz Cuellar. Nem ele nem ninguém pode viver sem os outros e estes são muitas vezes o inferno de Sartre…
Este conto, escrito em 1967, é sem dúvida o mais interessante deste volume. A segunda narrativa (Os Chefes) corresponde ao primeiro texto de ficção que Llosa escreveu, em 1959 e, nas suas palavras, constitui uma espécie de microcosmos de toda a sua obra posterior. O que aí encontramos de significativo e que talvez justifique essa opinião é a análise da violência, particularmente entre jovens, como expressão de um mundo extremamente competitivo, marcado sempre pelos impulsos mais primários do ser humano, que se sobrepõem a uma educação ineficaz. Tal abordagem constitui, certamente, um importante traço autobiográfico pois a personalidade do autor ficou marcada de forma indelével por uma educação muito austera, tendo frequentado um colégio militar.
Os restantes contos desta edição, mais narrativos e de fácil leitura, são interessantes mas não têm a mesma mestria de Os Cachorros, que se destaca claramente. Quanto à temática, o denominador comum a todas estas narrativas é a violência e as constrições sociais que afetam o comportamento humano.
Os Chefes (1959) foi a primeira obra publicada de Mario Vargas Llosa, e com ela obteve o seu primeiro reconhecimento literário, o Prémio Leopoldo Alas.
Segundo o autor, «Os Chefes é um pequeno microcosmo do que viriam a ser o resto dos meus livros.» Quando escreveu Os Cachorros (1967) o escritor peruano já era mestre de todas as faculdades da sua narrativa, pelo que este livro acaba por ser uma mostra da diversidade das paixões pessoais e colectivas.
Como afirma Mario Vargas Llosa: «De todas as obras que escrevi, esta é a que tem as interpretações mais diversas.» A partir dos adolescentes protagonistas dos dois textos, o autor reflecte sobre a tirania e a violência que marcam uma sociedade e frustram as expectativas dos seus habitantes.
12 comentários:
Estive com esse livro na mão recentemente, mas acabei por não trazer...Já vi que devia. Já li dele a Tia Júlia, Pantaleão e as visitadoras e as conversas na catedral - recomendo todos, especialmente o último...É fantástico.
Fiquei entusiasmado com Llosa, Sara. Só tenho receio que este tema,que atravessa os contos todos (a violência) continue a repetir-se em todas as obras... será assim?
Dos que li posso dizer que sim, esse é um tema recorrente...Muita nas entrelinhas, por vezes mais explícita. Não sei se acontece com todos...
Olá!
Ainda não li nada deste autor, mas tenho o livro"A Tia Júlia e o Escrevedor" emprestado para ler.
Tenho adiado porque tenho a impressão que será uma leitura difícil.
Mas agora fiquei mais entusiasmada.
Boas leituras!
:)
Desconheço o Llosa contista. Li "Lituma nos Andes" e "Os Cadernos de Dom Rigoberto", uma autobiografia e um (pseudo)ensaio sobre a cultura (cof cof, tenho grandes problema com o Llosa não-ficção, é um pensador, é certo, mas torna-se cansativo).
Numa perspeciva de análise, de diferenças sociais, implicações políticas temos o "Lituma", talvez mais parecido com este livro de contos de leste.
"Os Cadernos dde Dom Rigoberto", de que gostei imenso, é um romance mais polido, as personagens aparentam ser mais trabalhadas, mais complexas. Na brincadeira, tenho por hábito dizer pois, o Lituma era na época que em que o tipo era de esquerda, ah e tal, literatura com mensagem, depois começou a virar à direita e tornou-se um hedonista :P
Ainda não li o "Conversas na Catedral" que segundo consta é O LIVRO.
duas notinhas:
1-https://www.youtube.com/watch?v=iwqEN7RkdKQ
2- Um dos contistas maiores é peruano. Genial, genial- Julio Ramon Ribeyro (creio que está editado em pt pela AHAB
bom fim-de-semana :D
Não sei, Isaura. estes contos são bastante acessíveis.
No entanto, acho que aquele simbolismo a que me referi dá um interesse acrescido à escrita.
Llosa parece ser muito influenciado por Falkner; e talvez nunca tenha havido escritor mais cheio de simbolismos do que Faulkner...
Seja como for, esta coleção de contos é muito fácil de ler...
C.!!! Que bela surpresa!:)
Fizeste-me rir com esses carimbos de esquerda e direita :)
C., eu sou um bocado radical na forma como vejo as coisas em termos políticos. Por isso,peço-te que não estranhes a frase que vou escrever a seguir: minha cara, escritor de qualidade é escritor de esquerda! :):)
Nem estou a ver nenhum grande escritor de direita (Celine não conta porque era tolo) :)
Agora mais a sério, o simbolismo e o hedonismo também são compatíveis.
Obviamente não posso fazer juízos de valor sobre a obra de Llosa mas o que tu dizes confirma o que eu suspeitava. Muito simbolismo, muita violência. Muita influência de Faulkner? E se calhar de Garcia Marquez- um costuma andar com o outro.
Bem, a tua opinião vai de encontro a outras que já li e parece-me que o livro a ler de seguida é Os Cadernos de Dom Rigoberto.
Agora vou ver o video que sugeres:)
Um beijinho
Olá Manuel :)
É um autor do qual também tenho bastante curiosidade. Tenho por cá "O Herói Discreto", para ler em breve.
Beijinhos e boas leituras!
Não estranho a frase porque (na generalidade) a subscrevo, e deconfio que uma parte dos meus problemas com o Llosa não ficcionista se devem a esse facto (não é que o malandro era todo esquerdalha e porque se desiludiu com a "prática comunista" virou à direita. ora, na minha terra, não se muda nem de clube de futebol, nem se fazem estas mudanças bruscas. E muito menos se deixa o Gabito com o olho negro!!!! mesmo que as razões o justificassem WHO CARES, mas não se faz :P).
Apesar de nem sempre podermos dissociar personalidades, crenças, ideologias da literatura, cada vez mais quero acreditar que a arte, na sua forma mais pura se sobrepõe a tudo o resto, caso contrário será mastigada e aniquilada pelo tempo.
Para além de Céline, há um outro caso, o de Ezra Pound. Temos, no entanto, mais conhecimento de autores de esquerda, talvez pela forma como a vertente politica esta mais exposta nas obras- o Neruda, Sepúlveda, o n/ Saramago.
O Faulkner é certamente uma das influências do peruano (podia jurar, ou não, que na tal autobiografia li essa referência), mas quer dizer, Faulkner, a julgar pelo Som e a Fúria (que é um abuso de tão fenomenal que é, que atentado :)) está num patamar distinto. Cada vez mais faço a distinção entre tipos que podem ser bons, mesmo muito bons, mas que não são génios, para mim o Llosa está neste saco. Já Faulkner, Joyce, os meus Rulfo (Pedro Páramo- uma influência, esta sim, de Gabo, que assim que lhe meteu os olhos não o largou) e Cortázar (Rayuela) e outros tantos criaram uma ruptura, redefiniram a forma de se olhar e pensar a literatura. E nisto sou cada vez mais irredutível, apenas uma história com um principio, meio e fim, assim bem contadinha :|, não é suficiente, mas isto são outros quinhentos e a conversa já vai longa.
bjinho :D
Concordo contigo em várias coisas.
O Pound; pois, poeta meloso, sentimentalóide... ok... não gosto.
Concordo que a arte tem de estar acima da política mas o pessoal de esquerda é mesmo mais sensível às questões socias; eles veem com outros olhos o sofrimento humano.
O Som e a Fúria é um atentado; não diria melhor. Mas o Gabo, na sua autobiografia diz que o adorava. No entanto, acho que Gabo ficou acima de Faulkner. Gostei de Luz de Agosto, não sei se leste.
Concordo totalmente com o que dizes sobre os Génios e os que escrevem bem. Paramim, Génios são os Criadores. Os que fizeram ou fazem coisas novas; não com elementos novos, mas toda uma escrita inovadora. Exemplos? Cervantes, Tolstoi, Dostoievski, Vitor Hugo, Baudelaire, Garcia Marquez, O. Wilde, Saramago, Murakami, talvez Auster, Roth e pouco mais...
Beijinho, C.
Denise, obrigado pela sugestão. Anotado ;)
De Vargas só sei que de início estranha-se, ao fim de uma páginas entranha-se. Gosto dos que li dele!
Enviar um comentário