domingo, 28 de fevereiro de 2010

19 Minutos - Jodi Picoult

Ao contrário do que é habitual, hesitei bastante antes de começar a escrever este texto. Mesmo agora, neste preciso momento, não sei muito bem o que vou escrever.
Por um lado apetece-me dizer que se trata de um livro excelente; por outro lado, também é verdade que este livro não corresponde àquilo que eu considero um grande livro.
Para começar devo voltar à velha questão que tem dado voltas a este blog: o que é um grande livro? Mais uma vez vou apontar o dedo aos pseudo-intelectuais que desprezam este tipo de literatura; é que são esses mesmos que se queixam tanto de que em Portugal lê-se pouco. Por mim, devo dizer que são escritores como Jodi Picoult que fazem com que ainda se vá lendo alguma coisa. Este livro é um verdadeiro exemplo de como se pode escrever uma obra comercial e ao mesmo tempo com qualidade literária. No entanto, essa qualidade literária fica um pouco limitada pela forma superficial como os temas são tratados, mau grado as 532 páginas do livro. De facto, fiquei com a sensação de que a estória se contava em metade dessas páginas. Não quer isto dizer que a leitura seja desagradável ou fastidiosa; de maneira nenhuma; lê-se com muito agrado e é daqueles livros que se agarram a quem lê, na ânsia de chegar depressa ao fim. Se o Firmin se dedicasse a este livro devorá-lo-ia em poucas horas…
O livro tem um enredo daqueles que a moderna literatura norte-americana adora: dois adolescentes com pais sem tempo para eles, dois adolescentes e incompreendidos e amargurados. Ele, Peter, é o alvo do bulling, é o aluno desprezado e humilhado por mil e uma tropelias que os colegas mais “in” lhe provocam. O leitor é levado a sentir revolta, repulsa, raiva, perante as humilhações de Peter. Ela, Josie, é a filha de pai ausente e mãe hiper-ocupada com a sua profissão e procura compensar essa falta de afectos precisamente no grupo de alunos que humilham Peter, mau grado a amizade de infância em relação a Peter.
As humilhações atrozes a que Peter é sujeito conduzem ao desastre: a um massacre do tipo Columbine!
Trata-se de um enredo que nos faz pensar; os adolescentes dividem-se entre os “populares” e os “totós”; estes são humilhados até ao desespero, perante a passividade dos professores e a “distracção” dos pais. Até que um dia surge “a bomba”. Literalmente.
Numa América marcada e traumatizada pelo massacre de Columbine e pelos atentados de 2001, o livro acusa a facilidade com que se comercializam armas e a passividade de sociedade perante a violência. Por exemplo, Alex, mãe de Josie, para ser admitida como juíza é praticamente obrigada a afirmar que concorda com a posse livre de armas de fogo. O pai de Peter, académico de sucesso que estuda fórmulas matemáticas para medir a felicidade, revela-se totalmente incapaz de compreender e acompanhar o filho e, pelo contrário, inicia-o ingenuamente no uso de armas, tendo a caça como justificação! Questiona-se sobretudo a ausência de controlo e acompanhamento parental, explicada ingenuamente pelo stress e pelas exigências profissionais dos pais.
Em conclusão, trata-se de uma história actual, interessante, muito bem escrita mau grado os erros de tradução e revisão nesta edição da Civilização. No entanto, cai nas armadilhas recorrentes na moderna literatura norte-americana: reducionismos, lugares comuns e uma tendência por vezes exasperante para um tom melodramático que, no entanto, o tema justifica. Por exemplo, escapa à autora um dado fundamental: a realidade não é bem assim; raramente jovens humilhados são infelizes para o resto da vida. O mais frequente é que estes reajam por contraste, isto é, assumam o futuro como um desafio e construam carreiras de sucesso. Jodi Picoult tomou o todo pela parte. No entanto, não era um estudo sociológico que a autora pretendia fazer, pelo que se considera este livro como um excelente contributo para a reflexão sobre a violência juvenil, ao mesmo tempo que nos presenteia com uma escrita agradável, que prende o leitor até à última página.
Imagem retirada daqui

7 comentários:

Sofia disse...

Sim, concordo que é melodramático, tal como o são os outros livros da autora (pelo menos os 4 que li). Mas prendem o leitor e costumam ter finais surpreendentes. Assim é a Jodi. Pega em situações dramáticas da vida - violações, doença, homicídio - e esmiuça ao máximo as emoções dos leitores.
Eu gosto e até agora nenhum livro me desiludiu. É o tipo de obra que se deve alternar com outras mais leves e cor-de-rosa ou talvez mais dedicadas aos mundos fantásticos. Mas acho que vale sempre a pena voltar à Jodi Picoult pelas suas histórias e pela sua escrita cativante.
Este "Dezanove Minutos" foi o que mais gostei de ler.

Anónimo disse...

Excelente comentário o teu sobre este livro!!
Gosto muito da escrita de Jodi Picoult, mostra-nos sempre as duas facetas de uma situação problemática. Os seus livros também são marcados por um estilo em que à parte do problema, Jodi vai sempre dando a conhecer muitas leis jurídicas. Dos livros que já li da escritora, o que se nota mais isso é "Em troca de um coração" áté agora o meu preferido.
Outra coisa que gostei deste livro e acho que é a edição que tens pois falaste na "Civilização" é a capa. Duas crianças lindas e com ar feliz. Isto diz muita coisa...duas crianças que ainda não foram corrompidas pela civilização. Pois é, somos inocentes até sermos atacados pelo "mal" daqueles que nos rodeiam: inveja, racismo, por aí fora...
Esse é um facto que Jodi aborda magnificamente neste livro e acho que concordas comigo :)
Um abraço
Cristina

Unknown disse...

Muito bem, Sofia, se assim é acho que vou voltar à Jodi um dia destes; gosto de livros que mexam com as emoções e de finais surpreendentes. Já agora, se gostas desse estilo és capaz de gostar de Paul Auster...

Olá Cristina
tocaste aí num aspecto importante: a sociedade como origem de muitos males. Muitos filósofos têm colocado frente a frente dois postulados aparentemente antagónicos:
- o de Rousseau (O Homem é naturalmente bom)
- o de Sartre (O Inferno são os outros)
pessoalmente entendo que não há incompatibilidade nenhuma entre as duas afirmações. Nós somos naturalmente bons mas, em sociedade, em contacto uns com os outros tornamo-nos verdadeiros demónios. É por isso que é tão importante criar laços na nossa vida! Como diz Murakami, criar ligações ;)

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Bom dia Manuel, venho te agradecer a visita ao meu blog de leituras O que elas estao lendo e chego aqui encontro uma bela resenha.

Nunca li nada da autora e pela sua narrativa me pareceu muito bom o livro.

Penso que o fato dela ter generalizado a situacao do jovem, é que em uma grande maioria a tragédia é mesmo o ponto máximo que atinge essas vidas. Nao acontece com todos, mas basta ter acontecido com alguns para que possamos escrever algo como ela escreveu.

Deixei no seu comentário lá no O que elas estao lendo uma resposta para você, pois a resenha foi feita por mim.

Boa semana

Um abraco

CICL disse...

Ola, agradeço a visita ao Fascinio das Palavras... e fiquei fascinada também com este espaço cheio de boas reflexões...

Abraços e até breve.

Poeta do Penedo disse...

Caro Manuel Cardoso
Não venho aqui comentar a obra que apresentas, a não ser para te dizer que tiveste um excelente desempenho no texto que nos apresentas. Suponho que a melhor forma de obteres a definição exacta para «o que será isso de um livro» é escreveres um. Capacidade não te falta.
Agora, há dias propuseste-me um desafio: dar-te a dica sobre um livro dos que eu tenho lido, para comentares. Pois então aí vai:
título original: watchers
título em português: O Limite do Terror.
Autor- Dean Koontz
1987
editado em Portugal em 1995
Um abraço.

Unknown disse...

Eh, Poeta, que exagero, meu amigo! Escrever um livro? Tenho uma opinião muito própria sobre isso: ou se tem capacidade para fazer uma coisa genial ou mais vale estar quieto. Em Portugal publica-se por três motivos: 1- porque se escreve benzinho e se tem uma cunha na editora; 2-porque se escreve benzinho e se tem dinheiro e tempo para desperdiçar; ou 3- porque se escreve muito bem, com muita qualidade e assim, de facto, nascem verdadeiros escritores, como têm nascido alguns ultimamente (Valter Hugo Mãe é o último geniozinho).
Eu, evidentemente, não pertenço a nenhuma dessas categorias.
Obrigado pela dica; fiquei curioso quanto a esse livro :)