Sinopse?
Tudo começa com um homem saindo de casa, armado, numa madrugada fria. Mas do
que o move só saberemos quase no fim, por uma carta escrita de outro
continente. Ou talvez nem aí. Parece, afinal, mais importante a história do
doutor Augusto Mendes, o médico que o tratou quarenta anos antes, quando lho
levaram ao consultório muito ferido. Ou do seu filho António, que fez duas
comissões em África e conheceu a madrinha de guerra numa livraria. Ou mesmo do
neto, Duarte, que um dia andou de bicicleta todo nu.
Através de episódios aparentemente autónomos - e tendo como ponto de partida a
Revolução de 1974 -, este romance constrói a história de uma família marcada
pelos longos anos de ditadura, pela repressão política, pela guerra
colonial.
Duarte, cuja infância se desenrola já sob os auspícios de Abril, cresce envolto
nessas memórias alheias - muitas vezes traumáticas, muitas vezes obscuras - que
formam uma espécie de trama onde um qualquer segredo se esconde. Dotado de
enorme talento, pianista precoce e prodigioso, afigura-se como o elemento capaz
de suscitar todas as esperanças. Mas terá a sua arte essa capacidade redentora,
ou revelar-se-á, ela própria, lugar propício a novos e inesperados conflitos?
Comentário:
Um dos principais méritos desta obra é que envolve uma avaliação curiosa e
historicamente bastante correta da revolução de abril e do antigo regime. Estão
aqui expostos de forma clara muitos dos problemas gerados pela ditadura na
mentalidade e nas estruturas da vida portuguesa no século XX.
Sentido de humor bem à portuguesa, com muito calão pelo meio.
Esta opção do autor pode ser controversa e já gerou, certamente, reações
adversas. No entanto, neste caso, o calão parece-me bem enquadrado. Por um lado
confere à leitura esse sentido de humor bem português e por outro transmite um
certo realismo ao enredo.
Por outro lado, o relato dos costumes, acontecimentos e
realidades típicas da história contemporânea de Portugal, é bastante sugestivo,
de leitura fácil e muito agradável, fazendo lembrar a série Conta-me Como Foi.
Assim, o livro capta com facilidade a atenção dos leitores de uma faixa etária
acima dos 35 anos. Um dos exemplos mais bem conseguidos é o da Volta a Portugal em bicicleta,
com todo o folclore, toda a emoção que a corrida envolvia noutros tempos, antes
da invasão do ciclismo pela mentalidade capitalista. No extremo oposto, na zona
cinzenta das desgraças lusas, está a guerra colonial, esse monstro que devorou
o Portugal salazarento após 1961 e que aqui é ilustrado pela desgraçada vida de
António, o pai de Duarte: uma vida sacrificada por nada, tal como milhares de
outras, vítimas do capricho anacrónico de um regime fascista apodrecido pelo
ódio e pela insanidade.
O autor revela também uma extrema sensibilidade no
tratamento dos assuntos mais sérios, como a doença da mãe de Duarte, assim como
a prisão e assassínio do pai dela. Um cuidado e uma delicadeza que deixam o
leitor entusiasmado com a forma sentida como o sofrimento humano é exposto. A
sensibilidade da escrita é, nestes capítulos, notável.
Pessoalmente penso que o livro perde um pouco com a
tentativa de adensar o mistério em torno da morte de Celestino, que torna o
desfecho algo confuso.
Seja como for, estamos perante um autor com qualidades
suficientes para garantir o sucesso no panorama literário português.
7 comentários:
Também gostei do livro! E para primeiro romance pareceu-me até especialmente bem conseguido! :)
Ficamos à espera de um segundo! :D
Boas.
Gostei da opinião e cativou-me para ler o livro.
Fiquei mais descansada, ao achares que o desfecho em torno da morte do Celestino é confuso. É que eu também não percebi bem, mas achei que o defeito era meu ;)
Teté e Miguel, fico satisfeito por ter feito boa propaganda a este livro :)
Cristina, aquilo foi uma tentativa frustrada de inovar; só "enrolou", mais nada :) Mas é o único aspecto menos bom do livro.
Gostei muito, muito!
http://pedrices.blogs.sapo.pt/40842.html
Gostei.
Também deixei a opinião no meu blog, que convido a visitar.
Cumprimentos,
Numa de Letra
Este é um dos livros que quero ler, embora esteja a evitar comprar não só este, como outros livros recentes. tenho andado a cumprir a promessa que fiz no início do ano.
Gostei da tua opinião... tenho lido outras opiniões e quase todas são unânimes: vale a pena ser lido.
Assim "que puder" irei lê-lo e depois trocar opinião mais concretamente.
Obrigado pela partilha.
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