“Daqui a Nada” foi a primeira experiência literária de R. Guedes de Carvalho. Poucos saberão que antes de ser o excelente jornalista que todos conhecemos, já foi era escritor. Na verdade, este livro foi escrito em 1983, quando o escritor tinha apenas 20 anos.
Esta informação é importante porque, na verdade, o livro revela uma clara ingenuidade literária, que o próprio escritor reconhece.
Desde o início é clara a influência de A. Lobo Antunes, tanto no estilo como na temática. No entanto, o enredo demasiado simples e linear deste livro só poderia ser compensado com uma escrita genial como a de Lobo Antunes. Não é o caso, obviamente. Desde o início o autor adopta um tom melancólico, uma tristeza persistente que dá ao livro um aspecto algo monocórdico. A qualidade literária de Guedes de Carvalho está lá. Escondida, velada sob uma escrita criativa mas enfática; elaborada mas algo barroca.
Um homem, duas mulheres e uma jovem de 22 anos – juntos e terrivelmente solitários – a solidão primordial. Inexplicáveis ondas de tristeza bloqueiam a comunicação entre os personagens; poços de solidão, incapazes de amar porque não se tocam, não se conhecem.
Pedro fora feito prisioneiro em Angola, em 1971. Foi dado como morto e a esposa, Marta, acaba por envolver-se com um amigo de Pedro. Este não lhe perdoará. No seu regresso, refugia-se de Marta e da filha, Rita, envolvendo-se mais tarde com Paula, mais nova que ele. Paula é a única personagem “positiva” da estória. Mas permanece longe do centro da cena. Pedro é uma alma torturada pela guerra colonial mas as suas guerras interiores já existiam antes; talvez aquela tristeza primordial, inexplicável… talvez aquela solidão fosse a sua essência.
Mau grado a ingenuidade e o aspecto exageradamente dramático do livro, Rodrigo Guedes de Carvalho, com 20 anos, revela já uma notável sensibilidade em relação ao sofrimento humano, nomeadamente às dramáticas consequências da Guerra Colonial. Uma sensibilidade que certamente terá contribuído para que ele se guindasse à grande figura do jornalismo português que é actualmente.
5 comentários:
Este ainda não li, mas os dois que li dele, o "Casa Quieta" e "Mulher em Branco", agradaram-me bastante. A influência do Lobo Antunes é notória mas sem a complexidade do ALA as histórias acabam por ser mais "normais". :)
Não sabia que ele já escrevia há tanto tempo. Se calhar por isso é que como escritor, o jornalista não aparece assim tanto. :)
P.S. Prometo que vou voltar a ler ALA, e vai ser o Ontem Não Te Vi em Babilónia. Só para tirar as dúvidas! ;)
Eu fiquei com vontade de ler um destes novos livros dele. Ouvi falar muito bem da "Casa Quieta".
Fico à espera da tua opinião sobre o livro do ALA.
Li "A casa quieta"( tenho "O canário" e "A mulher em branco" à espera).Gostei muito do que já li dele.Também costumava ler as crónicas na Máxima.Estou completamente surpreendida de ouvir dizer que há influência do Lobo Antunes.Nunca li nada do Lobo Antunes porque tinha a ideia que era chato e complicado. Mas curiosamente neste momento estou a ler "Uma longa viagem com António Lobo Antunes", estou a gostar e assim que acabar vou experimentar a ler algo dele. A leitura deste livro aguçou-me o apetite.
Um abraço
Isabel
Caro Manuel Cardoso
Este comentário não se dirige propriamente ao Rodrigo Guedes de Carvalho, mas antes ao António Lobo Antunes. E é apenas para dizer que a sua escrita é rica, mas não me cativa, porque é muito deprimente. Lamento muito não o conseguir ler, pois sei bem que é um dos maiores nomes da literatura portuguesa. No entanto, e um pouco paradoxalmente, adoro ler as suas crónicas, sobre momentos que podem ser de qualquer um de nós, carregadas de um humor negro que considero geniais.
Um excelente fim de semana.
Nunca li nada do autor, nem sabia que ele já escrevia faz tempo! A "Casa Quieta" é dos livros que mais boas opiniões tenho lido, por isso se um dia começar vai ser mesmo por esse.
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