quarta-feira, 13 de junho de 2012

Até ao fim da Terra - David Grossman



Sinopse: Quando Ora se prepara para festejar a desmobilização do filho Ofer, ele volta a juntar-se voluntariamente ao exército. Num ímpeto supersticioso, temendo a pior notícia que um pai ou uma mãe podem ouvir, Ora parte numa caminhada para a Galileia, sem deixar qualquer rasto para os "notificadores". Recentemente separada do marido, arrasta consigo um companheiro inesperado: Avram, outrora o melhor amigo de ambos, o antigo amante, que tinha estado prisioneiro durante a Guerra do Yom Kipur e fora torturado, e que, destruído, recusara sempre conhecer o rapaz ou ter contacto com eles.
Durante a caminhada, Ora vai desenrolando a história da sua maternidade e inicia Avram no drama da família humana - uma narrativa que mantém Ofer vivo, tanto para a mãe como para o leitor. A sua história coloca lado a lado os maiores sofrimentos da guerra e as alegrias e angústias quotidianas da educação dos filhos: nunca se viu tão claramente o real e o surreal da vida quotidiana em Israel, as correntes de ambivalência sobre a guerra numa família, os fardos que caem sobre cada nova geração. Numa situação de conflito coletivo e duradouro, como conciliar as preocupações individuais de uma mãe que, afinal, prefere a companhia de um filho à missão patriótica? Como manter a causa pacifista se aqueles que podem atirar contra um filho são justamente aqueles com quem se quer fazer a paz


Comentário:
As 681 páginas desta edição talvez afastem o leitor menos paciente. Mas a verdade é que este é um excelente livro. Está aqui, bem despida de adereços, toda a desgraça de um povo condenado à guerra e ao ódio; um povo que conquistou o seu espaço mas que o tem de disputar, sistematicamente, com outros povos, eles também condenados à desgraça.
A forma como Ofer se alista voluntariamente no exército levou a mãe, Ora, a questionar o patriotismo; o mesmo patriotismo que justificara a criação da nação hebraica. O ódio à guerra alia-se ao próprio ódio à nação. A expressão de Ora perante a participação dos filhos no exército é: o país “nacionalizou-me” os filhos.
Este livro é, acima de tudo, um intenso grito anti guerra; uma voz de protesto e de desespero perante a irracionalidade de uma história povoada de ódio.
Mais do que fugir da guerra e da possível morte do filho, é dos mensageiros da morte que Ora e Avram fogem. Sim, porque morte está sempre presente, por todos os lados.
Ao longo da leitura, o leitor sente-se frequentemente asfixiado por este ambiente sóbrio, feito de medo, feito de sangue e horror.
Para Ora, Avram, de quem se separara há muito, é uma espécie de filho que vem substituir Orfer. Ao longo da caminhada, o autor vai descrevendo o passado desta família despedaçada e de um curioso triângulo amoroso; o amor aparece aqui como uma espécie de oásis neste deserto de ódio; no entanto, nem mesmo o amor tem o aspeto de um jardim florido, antes de um jardim coberto de espinhos; um amor que nasceu e cresceu no terror das mais inimagináveis torturas e sacrifícios.
À medida que vai desfiando memórias, Avram descreve as torturas que sofrera na guerra de Yom Kipur. Memórias terríveis, de uma violência atroz, misturadas com sentimentos de culpa e arrependimento. Enfim, uma realidade onde o passado é doloroso e o futuro negro. Sobra um presente não menos feliz. As personagens como a nação: sem sentido, sem lógica, sem um raio de luz a não ser os laços de amor que os prendem uns aos outros.
Como no quadro de Picasso (Guernica) a guerra preenche todos os espaços. Nada existe fora da guerra.
Aqui não há heróis. Nem bons nem maus; os próprios árabes, inimigos ancestrais, não são vistos como “os maus da fita” mas como, também eles, vítimas do ódio e da violência.
Em conclusão, trata-se de um livro sombrio, triste, mas terrivelmente real. Uma estória que dói pela crueza da realidade que retrata; uma obra de ficção que brilha pelo retrato que faz de um sofrimento coletivo onde o pior de tudo é a falta de esperança: o final desilude como a realidade: não há fim à vista para a estupidez dos homens.

4 comentários:

MOISÉS POETA disse...

Obrigado pela dica em relação ao livro e pela sua resenha á respeito do mesmo.

Um abraço !

Unknown disse...

Olá Moisés. Eu é que agradeço a sua atenção.

MJ FALCÃO disse...

Gostei da sua apresentação do problema, com inteligência, sensibilidade e cuidado. São coisas de grande fragilidade, cristais que se quebram ao mais pequeno gesto, ou grito, ou gemido.
Vivi em Israel e conheci bem a realidade. Li Grossman, mas também Amos Oz, Tammuz (fantástico "O Minotauro"), Avraham Yeoshua e todos têm uma palavra para dizer o horror da guerra a que são obrigados, para não serem aniquilados...
Abraço
o falcão

Anónimo disse...

Tenho muita vontade de ler o livro.Oque at+e agora tenho gostado é Amos Oz.Logo que puder comprp
Obrigada
Mia santos