terça-feira, 16 de abril de 2013

Ensaio sobre a cegueira - José Saramago





Sinopse
Uma cidade é devastada por uma epidemia instantânea de "cegueira branca". Face a este surto misterioso, os primeiros indivíduos a serem infetados são colocados pelas autoridades governamentais em quarentena, num hospital abandonado. Cada dia que passa aparecem mais pacientes, e esta recém-criada "sociedade de cegos" entra em colapso. Tudo piora quando um grupo de criminosos, mais poderoso fisicamente, se sobrepõe aos fracos, racionando-lhes a comida e cometendo atos horríveis. Há, porém, uma testemunha ocular a este pesadelo: uma mulher, cuja visão não foi afetada por esta praga, que acompanha o seu marido cego para o asilo. Ali, mantendo o seu segredo, ela guia sete desconhecidos que se tornam, na sua essência, numa família. Ela leva-os para fora da quarentena em direção às ruas deprimentes da cidade, que viram todos os vestígios de uma civilização entrar em colapso. A viagem destes é plena de perigos, mas a mulher guia-os numa luta contra os piores desejos e fraquezas da raça humana, abrindo-lhes a porta para um novo mundo de esperança, onde a sua sobrevivência e redenção final refletem a tenacidade do espírito humano.
(in wook.pt)
Comentário
Em Ensaio Sobre a Cegueira não há nomes; não há luz; há uma espécie de apocalipse, um colapso coletivo, uma marcha inexorável para o abismo. O fim da humanidade como um imenso buraco negro. Um caminho, uma vida, tudo num enorme caos. Assim vai a vida, assim vai o mundo, os destinos, a gente que percorre a escuridão como quem persegue o inferno.
Uma humanidade inteira que escapa à sua condição de ser coletivo; apenas uns milhares, quiçá milhões de indivíduos como uma soma imensa de egoísmos. Não há solidariedade; não há como acreditar nos outros; há, isso sim, uma guerra perpetuada pela desgraça, um rumo negro chamado destino.
Cegos somos todos. Este mundo traçado por Saramago em pinceladas de escuridão não é mais que uma imensa e monstruosa metáfora da sociedade humana em que nos afundamos. Uma sociedade humana sem humanidade. Sem luz nem redenção.
Este é talvez o livro em que Saramago assume o discurso narrativo mais objetivo, mais concreto. A mensagem metafórica concilia-se de forma notável com a objetividade da escrita. Só um génio conseguiria esta síntese, esta simbiose entre a estória e a mensagem; entre o concreto e o subliminar; entre o mundo das imagens e o universo das ideias.
Mas ao longo do livro, misteriosamente, um enorme oásis de sentimento se vai abrindo, como uma grande mancha de sol: a esposa do médico, uma mãe coletiva, assume-se como o anjo protetor e traço de união entre os cegos.
Globalmente, estamos perante uma refinada crítica social; uma espécie de grito de revolta perante uma sociedade tipicamente entorpecida pelas estruturas burguesas capitalistas, que a conduziram a um individualismo extremo. A cegueira dos personagens representa a forma egoísta com que o ser humano se distancia do seu semelhante, transformando a sua própria vida numa imensa solidão.
Muito interessante e significativa, também a forma como Saramago explora o incremento da capacidade auditiva nos cegos. O poder do que se diz, das mentiras e boatos; a capacidade que o ser humano tem para acreditar e fazer acreditar em pseudoverdades que só contribuem para o desastre coletivo da sociedade em que nos encontramos mergulhados.


8 comentários:

Denise disse...

Um livro brilhante :)

Denise disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
C. disse...

Depois d' "O Ano da Morte de Ricardo Reis", este "Ensaio" é um dos que mais me impressionou- as palavras, as imagens são tão fortes que é impossível lê-lo e não parar por momentos e respirar fundo (o filme é uma sombra do que Saramago criou com este livro).

Tenho ainda presente a sensação da crueldade humana, de face às necessidades e às privações ser tão "fácil" regressar às estruturas de poder mais primitivas. Tenho também a impressão que mesmo apesar do pessimismo de Saramago há uma réstia de esperança, que se sente nos contactos, nos afectos, no que em conjunto/ unidos se poderia contruir.
Destaco ainda a figura do CÃO nesta obra- este grande escritor deu-lhe as características que tantas vezes faltam aos homens (a lógica diz-nos que não deveria ser assim, mas...)

Livro Notável
Boas Leituras :)

Unknown disse...

Meu caro C. ainda bem que fala no cão. Talk como em "A Caverna" (um dos meus livros preferidos de Saramago), o cão assume um papel fundamental no contraponto com a "desumanidade" do ser humano.
O lado humano, positivo, a tal réstia de esperança que refere, eu senti-a principalmente no papel da mulher do médico; uma espécie de anjo bom.
Esse "regressar às estruturas de poder mais primitivas" fez-me lembrar "O Deus das Moscas"...
Quanto ao Ano da Morte de Ricardo Reis, é o livro que estou a ler neste momento.

C. disse...

Caro Manuel, sim, concordo com referência a "O Deus das Moscas".
Se compararmos a transformação das crianças/jovens e dos cegos no hospital é possível encontrar pontos em comum.

Fico a aguardar o seu comentário sobre o "Ano da Morte de Ricardo Reis"- apesar de nem sempre concordar consigo gosto bastante das opiniões fundamentadas e construtivas- Continue :-D

Unknown disse...

Caro C. se me permite a sinceridade, gostava imenso que me criticasse quando não concorda comigo :) Mas confesso o mesmo pecadilho: sou um seguidor fiel do seu blog e raramente escrevo lá, a mais das vezes por pura preguiça :(
pela minha parte prometo penitenciar-me... :)

Anónimo disse...

Um grande livro, sem duvida. O segundo dele que li, e achei-o melhor que As Intermitencias Da Morte. Já a sequela do livro Ensaio Sobre A Cegueira, Ensaio Sobre A Lucidez, é o pior do Saramago. Acabei de ler o livro de contos OBJECTO QUASE, simplesmente admirável. Podem ler o meu testemunho:

http://www.facebook.com/sergio.knight1?hc_location=timeline

Unknown disse...

.... e este também. :)
Saramago tem uma escrita singular mas brilhante. Para além destes dois que comentei adorei também o Ensaio sobre a Lucidez, As Intermitências da Morte (que não deixa de ser um ensaio), Evangelho Segundo JC, Caim e o Homem Duplicado. A Jangada de Pedra gostei, mas não tanto. Todos os Nomes e A Viagem do Elefante não gostei nada e talvez o seu mais famoso livro, Memorial do Covento... nunca li. Tenho-o ali na estante até que chegue o dia.
Boas leituras.
Abraço.