quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Charles Dickens - Genialidade absoluta


Estou neste momento a ler Nicholas Nickleby e estou encantado. E dececionado por ter chegado a esta idade sem ler os grandes livros deste génio literário.
Talvez Charles Dickens tenha sido o maior contador de estórias de todos os tempos. Não me refiro, obviamente, a muitas estórias mas, certamente, a GRANDES estórias. Cada livro do grande mestre britânico é uma viagem encantadora a um mundo que já não sendo nosso, foi o meio encantado e desgraçado que nos precedeu: esse magnífico e medonho século XIX, cheio de esperanças e de fascínio mas também carregado de injustiças e medos.
Charles Dickens talvez tenha sido um comunista antes do comunismo: preocupado, acima de tudo, com as injustiças daquela época vitoriana, em que a exploração do homem pelo homem era uma regra implícita mas bem patente do universo vitoriano; um mundo cheio daquela perfídia que resulta da legitimidade na luta pelo sucesso material; a isso se chamou, com muito descaramento, moral burguesa. 
É por isso que as personagens de Dickens são tão encantadoramente maniqueístas: há uma linha clara que separa os bons, os honestos que são vítimas, daqueles que representam as forças do mal e que mais não são que os frutos desse meio burguês materialista e capitalista. E é por isso que é impossível a qualquer leitor esquecer personagens fantásticas, magníficas enquanto seres humanos como são Nicholas Nickleby, David Copperfield, mas também geniais personagens secundários, autenticas obras de arte na criação o romancista, como são Wilkins Micawber ou Newman Noggs. Mas, muitas vezes, é no horrível que encontramos a mais belas obras de arte e personagens pérfidas como Uriah Heep ou Wackford Squeers não deixam de ser criações únicas e geniais.
imagem de http://www.notable-quotes.com/

7 comentários:

Rubi disse...

Sem dúvida. Sinto o mesmo fascínio por Oliver Twist. A Londres Victoriana tinha tanto de fascinante como de abominante, se pensarmos no estado social. E tenho pena de ter adiado ler Dickens por ter sobre ele, o homem, uma opinião negativa. Faz-me pensar se não será melhor não procurar saber sobre a vida dos escritores, e prestar apenas atenção à sua obra...

Carlos Faria disse...

Por acaso o que eu não gosto em Dickens e noutros escritores semelhantes é desse maniqueísmo, pois penso que distorce a realidade e pode dificultar em certos leitores a capacidade de efetuar acordos nas suas lutas. Todavia gosto muito deste escritor na sua capacidade de denunciar injustiças e de alertar para abusos humanos e despertar consciência social.

Unknown disse...

Rubi e Carlos, vocês alertam-me para dois exageros que talvez eu tenha desvalorizado, de tão empolgado ficar com a leitura.
Na verdade, Rubi, Dickens, o homem, tem defeitos e limitações mas também é verdade que ele teve uma vida bem difícil, antes de se tornar escritor reconhecido.
Carlos, acho este maniqueísmo bonito. Por um lado, os personagens maus são autênticos ícones, que pretendiam funcionar socialmente como um retrato público da malvadez e, por outro lado, os bons têm aquele encanto romântico que às vezes gosto de ver nos livros...
Além de tudo isto, é preciso ver a época dele; ele escreveu antes de Hugo, antes de Dostoi, de Tolstoi, de Joyce, Mann, Wilde... antes de quase todos os Grandes que conhecemos.

Filipe de Arede Nunes disse...

Escrever que Dickens terá sido um comunista antes do comunismo é uma coisa estranha, sobretudo porque grande parte da sua obra foi escrita depois do Manifesto do Partido Comunista (1848) coisa que, como letrado que era, certamente não ignorou. Note-se ainda que toda a sua obra é posterior aos contributos sociais de homens como Owen ou Fourier.

Ademais, conhecendo alguma da obra de Dickens e muita da obra dos autores do marxismo não consigo entrever nas personagens e cenários do autor britânico os traços ideológicos que o autor deste texto parece encontrar na sua obra. Note-se que a resposta à questão social não é um exclusivo dos socialismos. Muitos autores do liberalismo bem como toda a doutrina social da Igreja procuram responder à problemática social que resultou da revolução industrial. Dickens, que era inglês, confrontou-se mais prementemente com essa realidade e, talvez por isso, a fez reflectir de forma brilhante nos seus livros.

Por tudo isto, não creio existir qualquer fundamento para este género de afirmações.

Abraços,
Filipe de Arede Nunes

Unknown disse...

Caro Filipe Nunes, a literatura é uma arte e não uma ciência, pelo que admite alguma subjetividade; se assim não fosse, não estaríamos aqui a confrontar pontos de vista.
Obviamente, tem muita razão quando diz que as questões sociais não são exclusivas do comunismo e por isso, onde escrevi "comunista antes do comunismo" poderia ter usado outra expressão, recorrendo a outra ideologia que não a comunista. Ou por outras palavras: o meu pensamento estava mais no significado último da expressão do que no significado literal.
Clarificando: Dickens foi um defensor da justiça social antes que tal luta fosse assumida com uma dimensão política. É essa a ideia.
Quanto a questões mais factuais, as obras Oliver Twist, Nicholas Nickleby e Christmas Carol, onde é clara a referida leitura da realidade social foram escritas ANTES da publicação do Manifesto do Partido Comunista.Mesmo David Copperfield foi publicada no ano seguinte, pelo que é pouco provável que Dickens tenha lido o Manifesto antes de escrever a obra em folhetins.

Filipe de Arede Nunes disse...

Caro Manuel,

Podemos, evidentemente, escrever o que bem nos apetecer.

Note, por favor, que a minha referência ao Manifesto do Partido Comunista resulta, em exclusivo, da referência explicita ao conceito de comunismo. Apesar de Dickens certamente conhecer o trabalho de Marx e Engels não faço ideia se o reconhecia como bom ou não.

Também não me parece verdadeiro que Dickens fosse um defensor da justiça social antes da assunção política desta ideia. Veja-se, por exemplo, a obra de Stuart Mill, de Robert Owen, Sismonde de Sismondi, Saint-Simon, Lassale, Lorenz von Stein ou Fourier que precede, ou é pelo menos contemporânea, Dickens.

Quanto ao resto: é evidente que Dickens reflecte na sua obra claras preocupações de índole social. Esse facto parece-me especialmente marcado em livros como Oliver Twist e Great Expectations. No entanto, creio que essa será mais uma marca da literatura realista inglesa do que de um libelo de natureza política.

Abraços,
Filipe de Arede Nunes

Unknown disse...

Filipe, pelo menos alguns dos autores que refere são ligados, creio, ao chamado socialismo utópico que é parente próximo do marxismo.
Mas todas essas implicações ou extrapolações políticas são, a meu ver, laterais. O mais importante é que o século XIX foi um século fundamental e Dickens, mesmo vivendo in loco esse grande século, foi testemunha imparcial dos fenómenos profundos que estavam a decorrer. É que as grandes correntes de fundo da História são muito difíceis de detetar na época, como as correntes marítimas ou os movimentos de profundidade nos grandes rios são impercetíveis "à tona". E Dickens teve essa visão perfeita de como o liberalismo e a mentalidade burguesa cresciam à custa do sangue e suor de muitos. O mesmo sucedeu com Hugo em FRança, que estava longe de ser um socialista.
Um abraço
é um prazer discutir estes assuntos :)