segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Cadernos dos Subterrâneo - Fiodor Dostoievski

Comentário:
Cadernos dos Subterrâneo ou Notas do Subsolo, Memórias do Subsolo, Diário do Subsolo ou ainda A Voz Subterrânea, conforme a tradução, é o livro mais negro, mais pessimista do grande mestre russo. Não sei qual dos títulos se aproxima mais do original russo mas qualquer deles reflete o espírito da obra: uma análise do interior mais profundo da mente humana.
Já alguém afirmou que se trata da primeira obra existencialista da história da literatura. Eu não ia por aí; o contexto e a arte literária de Fiodor está muito longe dos existencialistas franceses como Sartre ou Camus. Aqui trata-se, antes de mais, de uma visão pessimista da condição humana que faz deste livro a obra menos agradável de Dostoievski. Para quem, como eu, aprecia os belos enredos das grandes obras deste génio, torna-se algo tortuoso deparar com tanto pessimismo, tanta reflexão negativa.
O herói do livro é o típico anti-herói: o homem maldoso, egoísta, cruel que considera a bondade como fraqueza. Um homem inteligente é um homem sem caráter; um homem inteligente é um homem de ação, não de reflexão e essa ação pode perfeitamente ser considerada como maldade. A ação, por sua vez, deve derivar mais da vontade que da razão. Por vezes o homem age mesmo contra a sua própria pessoa porque por vezes é essa a sua vontade superior. Tudo o que o homem precisa para se realizar é de uma vontade independente, suprema, à qual ele se deve submeter.
Depois há homem normal: covarde, apático, escravo da sua condição de normal.
Esta é a visão teórica da condição humana.
No entanto, na segunda parte do livro, esta perspetiva teórica choca de frente, de forma estrondosa, com a realidade. E essa realidade é-nos apresentada através da estória concreta do próprio narrador, num episódio da sua vida, a sua relação com Lizza, uma prostituta.
No contanto com a realidade, podemos dizer com algum humor, que lá se vai o super-homem! Perante Lizza, a prostituta, o narrador acaba por encontrar a sua verdadeira condição humana: escravizado ao amor ou a algo que ele não consegue entender. Perante o seu criado, que o chantageia, lá se vai mais uma vez o poder! Ele escraviza-se ao próprio criado que controla totalmente a sua vida. Ou seja, perante o criado e perante Lizza, acaba-se a teoria do super-homem porque a realidade não se compadece com uma vida ideal, livre, que o espírito teórico desenha na perfeição.
Em conclusão: por mais belos que sejam os ideais, o autor cai na realidade como se ela fosse um abismo: a infelicidade total. Na primeira parte o nosso anti-herói odeia-se porque não consegue corresponder à noção de homem ideal que o seu espírito desenha e na segunda parte ele descreve, com algum humor a forma como esse choque se processa.

5 comentários:

Carlos Faria disse...

Por ser o livro de Dostoievski que mais se distingue dos outros dele, é que esta obra me tem despertado ultimamente uma maior curiosidade, as ainda não chegou a sua vez.

Denise disse...

Tanto pessimismo junto, afasta-me um pouco a vontade de o ler. Para já, até porque tenho aqui obras do autor para começar a desbravar.

Boas leituras Manuel :)

José Passarinho disse...

Tenho este livro, saiu-me em brinde no DN. Uso-o como base do copo dos pincéis há dois anos e, até hoje, não está manchado. No interior tenho lá a secar uma erva bonita que encontrei no campo. É um dos meus livros mais úteis. Bem... talvez a A Estalagem das Duas Bruxas de Joseph Conrad, que me serve de base para escrever notas na cozinha, tenha igualmente uma utilidade significativa...

José Passarinho disse...

Na linha... leve no preço e no número de páginas recomendo Bartleby, o Escrivão de Herman Melville. Uma tarde bem passada. E o belíssimo Davam Grandes Passeios ao Domingo de José Régio?

Unknown disse...

Melville e Régio:mais 2 grandes senhores que ainda não li.
Mas não foi o José que me sugeriu este livro do Fiodor? Ou sugeriu-o para base de copos? :) é que eu não bebo nem pinto :)