Comentário:
Quem decide ler um romance de Isabel Allende não pode esperar grandes surpresas: terá a certeza que vai ler um livro excelente. E essa excelência, também patente neste livro reside essencialmente naquele estilo que viaja sempre entre o real e o fantástico, estilo esse a que se convencionou chamar “realismo mágico”. A autora consegue manter a narrativa numa fronteira entre essas duas dimensões, levando o leitor a aceitar como verossímeis algumas situações que, vistas à distância, só caberiam numa obra de literatura fantástica.
Assim é Eva Luna, a história encantadora de uma menina e moça que vai construindo uma história de vida fascinante. Recorrendo, tal como é típico da literatura sul-americana, a numerosos personagens, a autora apresenta-nos um quadro social fascinante (comum a outras obras suas) entre revoluções e ditaduras. Do lado de Eva Luna estão os deserdados, os marginalizados, que acabam envolvidos na teia dos terroristas que, neste caso estão longe da definição atual do termo. Na verdade, Huberto Naranjo, por quem Eva se apaixona na primeira fase do livro, é a imagem do guerrilheiro que arrisca a vida com a ingenuidade de quem defende a causa coletiva dos injustiçados.
É nesse meio, por vezes miserável e violento, que encontramos Eva Luna construindo a sua felicidade individual. Ela era a rapariga que contava histórias e com elas libertava as pessoas da desgraça em que viviam; é na procura dessa fantasia, desse caminho pessoal que os personagens podem encontrar a felicidade, como Mimi, o travesti que sofreu todas as agruras imagináveis, vítima dos preconceitos mas que não resiste até ser feliz. Também fundamental no enredo é a presença de Rolf Carlé, um europeu que sofrera as injustiças da ditadura que presumimos nazi e que emigra para a América do Sul onde se torna guerrilheiro; ele é a imagem da internacionalização da revolução, do carácter universal da luta dos povos pela justiça social.
Escrito em 1987, este livro é apenas o quarto da longa bibliografia da autora; no entanto está já aqui presentes todas as qualidades da escrita de Allende, bem como essa predileção pela defesa dos injustiçados, assim como uma propensão para a abordagem da história recente do Chile, cheia de conflitos políticos e ditaduras sanguinárias, das quais se destaca o governo fascista de Pinochet, responsável por milhares de crimes.
O único aspeto que não me agradou totalmente neste livro foi o facto de o enredo não criar no leitor aquela expetativa quanto ao final que muitas vezes encoraja a leitura. Seja como for este é, sem dúvida, um livro que merece ser lido e saboreado.
Sinopse (in wook.pt)
Em Eva Luna, Isabel Allende recupera o seu país através da memória e da imaginação. Eva, a cativante protagonista da narrativa, constitui um nostálgico alter ego da autora, pois também ela acredita que radica nas histórias o segredo da vida e do mundo. Filha da selva, do analfabetismo e da pobreza, Eva luta tenazmente por conquistar o seu espaço no mundo, sem nunca perder o encanto feminino.
Nesta obra, marcada por um profundo humanismo, Isabel Allende consegue fundir o destino individual com o coletivo através de uma fulgurante prosa, confirmando-se como uma das maiores escritoras dos nossos tempos.
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