O Inverno do Nosso Descontentamento é um título feliz,
poético e bem adequado a esta obra. Trata-se de um dos últimos livros de John
Steinbeck. Por este motivo é considerado por muitos como uma das obras mais
“maduras” do grande escritor. Pessoalmente, acho mais adequado encarar este
romance como uma obra em que o autor se desvia bastante das características
básicas dos seus livros anteriores. Mas vamos mais devagar.
Este livro trata de um homem bom, como tantos personagens de
Steinbeck. Um homem simples e bom, proveniente de uma família abastada de uma
pequena cidade conservadora americana: New Baytown. No entanto, Ethan é o
último herdeiro de um património misteriosamente perdido no tempo do seu pai e
acaba por se tornar um modesto empregado de um avaro comerciante, proprietário
de uma loja (Murillo), onde Ethan é o único e modesto funcionário.
Ao longo de todo o enredo, Ethan personifica a luta entre a
moralidade do homem bom e a ambição de um enriquecimento que, aos poucos, se
vai revelando incompatível com essa mesma moralidade. Até às últimas páginas do
livro, mantém-se este dilema, assim como um outro: a identidade do personagem
em confronto com a identidade da família, das suas raízes familiares.
Penso que aquilo a que os críticos chamam a maturidade
literária do autor materializa-se neste livro mas de uma forma não
obrigatoriamente positiva para o leitor; Steinbeck ganha neste livro uma
intensidade reflexiva que não detetamos em Ratos e Homens, Tortilla Flat ou
mesmo na sua obra prima, As Vinhas da Ira. Mas, pelo contrário, perde, a meu
ver o que ele tem de mais extraordinário: a singeleza, a simplicidade, a
humanidade das suas personagens. Aqui, Ethan tem alguns desses traços de
humanidade típicos do autor, mas, lentamente, vai questionando toda essa
humanidade, à medida que vai equacionando a hipótese de renunciar à honestidade
para ceder à tentação do crime.
É sem dúvida, a obra mais reflexiva que li deste autor.
Aquilo que ganha em profundidade psicológica perde, a meu ver, em ritmo
narrativo. Mesmo assim, no final resiste a crença infinita de Steinbeck no ser
humano.
9 comentários:
Portanto, é um bom livro?
Quando passei pela Bertrand no domingo anterior , tive na dúvida entre este mesmo livro e " A Leste do Paraíso". Acabei por comprar esse último mas acho, não tendo a certeza absoluta, que o inverno do nosso descontentamento não ficaria atrás - talvez compre para uma próxima visita à livraria!
Abraços,
Pedro
Olá Pedro.
Sim, é um bom livro. Mas é o menos excelente (desculpa a força de expressão) dos que li dele.
A Leste do Paraíso é um dos que ainda não li.
Na minha opinião As Vinhas da Ira é o melhor. Sublime, mesmo.
De steinbeck apenas li O Milagre de São Francisco...
Parece ser um daqueles livros que paramos pra pensar sobre tudo, a vida, nossas decisões, noss futuro, bueno confesso que nunca li um livro de John Steinbeck, mas fiquei curiosa, quero ter a oportunidade de ler.
Steinbeck é daqueles autores que vale sempre a pena voltar às suas histórias. Este e "O milagre se São Francisco" também estão na lista. ;)
O Steinbeck é um dos meus "ídolos". Achei muito interessante a análise do Manuel Cardoso. Li o livro há alguns anos, na versão original (quer dizer, em inglês). Na altura senti alguma dificuldade em o acompanhar, pensei que devido à barreira da língua. Estranhei, pois lera outros livros do Steinbeck em inglês (Of mice and man e The Pearl). Pensei que estava enferrujado no inglês. Mas afinal talvez o Manuel tenha razão: é um livro mais reflexivo. Talvez por isso adulto. E assim descobrimos que à medida que envelhecemos ficamos mais reflexivos mas perdemos alguma beleza "narrativa", a ingenuidade poética e revolucionária. Talvez apenas talvez.
É, Fernando, é mais reflexivo e mais complexo. Acho que Steinbeck pretendeu sair um bocado daquele realismo que o carateriza e, a meu ver, fez mal...
um abraço
John Steinbeck é absolutamente imperdível -"AS VINHAS DA IRA" um marco da literatura; "A LESTE DO PARAÍSO" um livro onde VI (eu vi) um cágado subir um passeio, e todos, mas todos deste grande e imortal autor são imperdíveis. Contudo, "O INVERNO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO" faz parte do meu acervo e daqueles 80% dos livros que tenho que ainda não li; e vou sempre comprando, comprando, aliás não sei viver sem livros, não consigo sair de casa sem livros, por mais curta que seja a minha saída.
Uau melhor revisão que li até agora deste livro. Fantástica, não poderia concordar mais. Foi exatamente o que senti... senti falta do steinbeck de “a um deus desconhecido “ meu favorito dele até agora. Não vejo muita coisa sobre esse livro dele mas para mim é de um paganismo humano pungente. Uma coisa: e o final de o inverno do nosso descontentamento? Qual o teu pensamento sobre isso? Juro que ainda estou um pouco confusa, suicidio? Redenção? Ambos?
Enviar um comentário