Sinopse
Situada na Checoslováquia, no cimo de uma colina, a Casa
Landauer é uma maravilha de aço, vidro e ónix, construída especialmente para os
recém-casados Viktor e Liesel Landauer, um judeu e uma gentia. Mas a retidão
resplandecente dos anos 30 que a casa, com a sua invulgar Sala de Vidro, parece
emanar, rapidamente perde o brilho à medida que se congregam as nuvens de
tempestade da II Guerra Mundial, e a família acaba por ter de partir,
acompanhada pela amante de Viktor e a filha desta.
Porém, a história da casa está longe de chegar ao fim e, à medida que esta vai
passando de mão em mão, dos Checos para os Russos, o melhor e o pior da
história da Europa Central é de certa forma encarnado e talvez encorajado pelas
belas e austeras superfícies e pelos planos tão cuidadosamente concebidos, até
que os eventos completam o círculo da narrativa
Comentário
Eis um livro surpreendente. A ideia, genial, é traspor para
a escrita uma obra de arte arquitetónica. Por outras palavras: escrever um
livro em que sejam expostas as características fundamentais na chamada Nova
Arquitetura, que marcou os anos 20 e 30 da história da arte.
O resultado desta ideia é um livro brilhante.
A casa que dá origem ao livro é um exemplo típico da Nova
Arquitetura, cujos expoentes máximos foram os arquitetos Le Corbusier e Frank
Loyd Wright.
A casa é absolutamente geométrica. Traços ortogonais. Da
mesma forma, o livro é traçado de uma forma simples, linear. É tempo de dizer
que um grande livro pode ser simples e fácil de ler; um grande livro não tem de
ser enigmático e cheio de arabescos como a arquitetura barroca. Um grande
livro, como este (e como a casa) é belo por ser simples, sem nunca perder
aquela dimensão simbólica que nos faz encará-lo como uma verdadeira obra de
arte.
Logo nos primeiros capítulos fica claro que a enorme sala de
vidro que preenche a zona mais importante da casa revela uma transparência que
se estende do vidro à vida das personagens; assim como a casa se “vê por fora” também os personagens são visíveis mesmo nos aspetos mais íntimos das
suas vidas. Como se nada nem ninguém pudesse esconder ou esconder-se.
Talvez nunca na história da literatura uma obra de ficção se
assemelhasse tanto a uma obra de arquitetura; o livro lê-se como quem contempla
aquela casa. Geometria e transparência. Vidro e páginas; linhas retas, ortogonais
e páginas simples, vidas gizadas a régua e esquadro.
Com a invasão alemã (a ação decorre na atual República
Checa) os nazis transformam a casa num laboratório científico. O autor, de
forma bastante sagaz, coloca-nos perante a velha questão da ciência e da arte como
paradigmas fundamentais da vida humana; os nazis, na sua ânsia de obter as
coordenadas da raça perfeita apresentam-se em contraponto com a paz dos anos
30, em que a família Landauer encarou a casa como o exemplar perfeito da arte.
A arte aparece assim associada à paz, à beleza, à felicidade e a ciência
associada às necessidades e contexto da guerra.
Na fase final do livro a ação perde algum fulgor. O leitor
fica com a sensação que o autor teve necessidade de abreviar o enredo, talvez
pela dimensão que a obra já revelava. O pós-guerra é apresentado de uma forma
algo abreviada, com uma incursão rápida até à época de ruina do sistema
soviético, num ritmo narrativo completamente diferente da primeira parte do
livro. Esta assimetria de tempos narrativos prejudica um pouco o livro,
deixando o leitor algo desapontado pela forma quase precipitada como o autor
caminha, apressado, para o desfecho.
Mesmo assim, estamos perante uma verdadeira obra de arte que
nos leva a querer ler mais deste autor que, pessoalmente, desconhecia.
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