Comentário:
Chega hoje, 21 de Janeiro, às livraras este interessante e inovador livro de João Cerqueira.
A segunda vinda de Cristo à terra teria mesmo de ser diferente; logo de início, os cardeais convenceram Jesus Cristo a esquecer aquela história da pobreza, da justiça social e da igualdade, não fossemos nós cair no pior dos cismas, o Cisma do Património.
Portanto, esta segunda vinda à terra teria de ser mais discreta; nada de sermões para grandes audiências, nada de milagres mediáticos ou de pauladas brutas sobre os vendilhões do templo.
Logo de início se vê que o livro de João Cerqueira será sustentado por dois grandes pilares, o humor e a sátira, pilares esses que se sustentam sobre um alicerce bem seguro: um enredo atrativo e temáticas polémicas mas atuais.
Em comparação com o seu livro anterior, A Tragédia de Fidel Castro, este apresenta-se de uma forma muito mais acessível ao grande público, com raciocínios bem mais simples e claros. A crítica, mordaz, faz lembrar a grande tradição do teatro vicentino e, em termos de ideias, algo nos faz recordar José Saramago.
Esta tremenda dimensão crítica fica logo bem clara na primeira aventura de Cristo na terra, quando, atraído pela beleza de Madalena, se junta a um grupo de ativistas ecológicos, novos apóstolos na luta contra o mal do capitalismo. No entanto, logo se prova que estes bravos ideais podem ser derrotados… pelos fueiros de um lavrador e sua esposa de pelo na venta.
Mas Jesus teria de ter paciência; não seria fácil trazer tantas almas transviadas ao bom caminho. Na sua primeira visita tinha lutado até à morte contra as injustiças e elas só tinham aumentado daí para diante. Talvez por isso, abalado psicologicamente pelo desastre anterior, volta à terra de cigarro ao canto da boca, em estilo “bon vivant” paz e amor. No entanto, o choque com a realidade foi tão duro que até o Padre Justino chegou à conclusão que Cristo precisava de formação moral e religiosa católica.
O Padre Justino é o símbolo da ignorância cimentada pelo preconceito. Mas é talvez por isso que a sua voz é muito mais aceite pelo povo do que a voz de qualquer Cristo ou de qualquer ativista ecológico. Por outro lado, os extremos tocam-se e os ativistas ecológicos padecem do mesmo radicalismo simplista e preconceituoso. Todos eles – cristãos à moda antiga e ativistas da ecologia - são acéfalos; as suas ”verdades universais” são ridículas; o Bem que eles defendem não passa de um cliché desfasado da realidade.
Um dos maiores méritos deste livro é ter feito do humor uma forma de expressão do absurdo real: de como revolucionários e ultra-conservadores convergem para o mesmo grau extremo de cegueira – o desprezo pela razão. E o humor, direto, incisivo, mordaz, incide precisamente sobre essa cegueira.
A mesma ignorância é depois transposta para o plano político; o Portugal rural é invadido pelos novos analfabetos, patos-bravos do sistema, abutres das crises em que o país é campeão. São os espertos-saloios, mestres na arte de enrolar o incauto, que tanto pode ser o Estado, como a Câmara, como qualquer “saloio”.
E assim a prosa de João Cerqueira vai-se encaminhando para a sátira política, que mais não é que o retrato risonho e risível deste Portugal profundo dominado pelo xico-espertismo corrupto.
Na parte final do livro, o leitor dá conta que a pergunta fundamental continua sem resposta: afinal, o que veio Cristo fazer à terra nesta segunda visita? E, afinal, ele nada fez perante este miserável estado de coisas? O certo é que o próprio Jesus Cristo parece perdido entre estes cromos portugueses: os empreiteiros aldrabões, os autarcas corruptos, as autoridades saudosas de Salazar, etc.
Até que Jesus, finalmente, consegue fazer algo em prol da paz. Consegue acabar com a violência entre dois cães desavindos… e mais tarde falaria ao coração dos homens; apelaria à sensatez e proclamaria a paz. Mas apenas um cão vadio o ouviu…
Sinopse (in www.wook.pt):
Recorrendo ao humor, à ironia e ao sarcasmo, João Cerqueira apresenta um estilo único cuja qualidade lhe valeu a conquista de três prémios de literatura nos Estados Unidos e a tradução para inglês, italiano e espanhol."A Segunda Vinda de Cristo à Terra" aborda fenómenos de conflitualidade social e política que ocorrem no nosso país. De forma crua e inteligente, o autor conduz o leitor por uma história fascinante onde… no fim... é Portugal que acaba na cruz.
4 comentários:
Olá Manuel
Pela tua opinião parece ser um livro hilariante e em tudo bastante actual.
Certamente que fará parte das minhas compras, quem sabe uma prenda de aniversário?
Beijinhos meu querido amigo.
Continuação de boas leituras;)
É mesmo, Leitora.
Um livro muito atual e muito divertido
Beijinhos :)
Mais um para a lista. Nunca viria parar às minhas estantes se não fosse pela tua opinião... :)
Garanto-te que vais gostar, N.
Beijinhos
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