Comentário:
Sem dúvida um dos melhores romances deste José Luís Peixoto que é um dos melhores escritores portugueses do século XXI. E tal como já escrevi algures, Peixoto vai-se destacando não só pela inegável criatividade e qualidade da escrita como também por uma incrível versatilidade. Se nos fixarmos nos seus melhores livros vamos encontrar obras substancialmente diferentes entre si. Há, evidentemente alguns pontos de contacto, que são as "imagens de marca" do escritor (uma certa nostalgia acinzentada, um tom de escuridão no destino das personagens e uma visão um pouco sombria do mundo) mas há também uma criatividade que nos surpreende em cada livro.
O fator surpresa desta obra encontra-se na ambiência rural, fixada em Galveias, a vila onde nasceu e cresceu o autor, aqui recriada nos anos oitenta do século XX, ou seja, na infância do escritor (a ação decorre em 1984 e Peixoto nasceu em 1974).
A escrita de José Luís Peixoto é fria, cruel, às vezes agreste. Em determinados episódios da narrativa as palavras doem, ferem propositadamente a sensibilidade do leitor, tal é a leitura cruel das desgraças humanas. Porque ruralidade não é só bucolismo, moral e bons costumes; ruralidade também é o pecado sob as suas mais diversas formas: violência doméstica, abuso de menores,maus tratos, alcoolismo, etc.
Mesmo assim, não deixa de ser curioso o sentido de humor, um humor baseado nas incongruências do mundo rural.
Em termos de estrutura, o livro lê-se como um jogo: cada capítulo apresenta-nos uma ação aparentemente desligada das anteriores e, lentamente, o leitor vai encontrando os fios de ligação com os episódios anteriores, formando uma trama que é um cosmos único e fechado: Galveias.
Em termos de enredo, tudo começa com o impacto de um meteorito em Galveias, criando uma cratera e deixando um terrível cheiro a enxofre.É nítido o simbolismo deste acontecimento e, ao mesmo tempo, o seu sentido poético: é o universo que envia uma mensagem a Galveias; o meteorito é o traço de união entre a aldeia e todo o universo.
Este simbolismo está um pouco por todo o lado ao longo do livro. Por exemplo, o ataque à professora que tenta alfabetizar a população simboliza a recusa do saber, no contexto de uma ruralidade conservadora, aversa a fatores externos, como a educação escolar. No entanto,a razão emerge por outras vias e o episódio termina de forma brilhante, com um belíssimo e artístico desfecho.
Ainda e sempre, as memórias e pesadelos da guerra colonial que ajudou a desgraçar este povo. No entanto, até a mais cruel das injustiças é capaz de espalhar sementes de esperança. Assim foi com Joaquim Janeiro que deixou raízes em África, para lá da guerra.
No coração da ruralidade ficam os animais. Em Galveias, os cães, mesmo vadios, são personagens fundamentais; neles se expressa toda a sensibilidade, todo o humanismo de quem vive em comunhão com a natureza e por isso vive e respira os mesmos dramas e o mesmo sofrimento dos animais.
Em Galveias são as prostitutas que fazem o pão - duas formas complementares de alimentar a comunidade.
Alguns episódios parecem estranhamente desligados do contexto. Por exemplo, quando a jovem Raquel perde o colar da bisavó numa discoteca de Lisboa. Mas depressa se compreende a dimensão simbólica - aquele colar é Galveias; é o velho mundo, perdido entre o mundo estridente da cidade.
À medida que nos aproximamos do final, adensa-se o dramatismo. O leitor adivinha destinos trágicos mas não pode alterar a trajetória das personagens que parecem caminhar para a desgraça. Porque a vida é mesmo assim: por vezes caminhamos cegamente para a desgraça. O cheiro a enxofre, odor do inferno, é prenúncio de um qualquer Apocalipse. Desde o dia do meteorito, nove meses antes,não chovia e o cheiro a enxofre era cada vez mais forte. No entanto, no final, a esperança triunfará. porque como escreve Neruda, a primavera é inexorável.
Sinopse (in www.wook.pt):
Galveias está entre os grandes romances alguma vez escritos sobre a ruralidade portuguesa.
O universo toca uma pequena vila com um mistério imenso. Esse é o ponto de acesso ao elenco de personagens que compõe este romance e que, capítulo a capítulo, ergue um mundo.
Como uma condensação de portugalidade, Galveias é um retrato de vida, imagem despudorada de uma realidade que atravessa o país e que, em grande medida, contribui para traçar-lhe a sua identidade mais profunda.
5 comentários:
Tive o prazer de começar o ano a ler este último livro do José Luís Peixoto, é uma bela viagem à pequena vila Galveias no interior rural de Portugal.
Bem vindo, Francisco
sem dúvida uma pérola, este livro.
Tenho andado aliada dos livros nestes últimos tempos...
O Peixoto não me tem entusiasmado, mas estou muito expectante em relação a esta obra e agora ainda fiquei mais devido à tua opinião, Manuel. ;)
Um bom ano de 2015 e boas leituras! :)
realmente o Peixoto não condiz muito bem contigo :) tem tons mais cinzentos que azuis :)Mas este livro é dos menos sombrios...
Atenção Manuel, que eu sou fã do Peixoto e muito. :)
Ele não me tem entusiasmado nas últimas obras... Mas acredito que "Galveias" seja um regresso às origens e às boas leituras. ;)
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