Comentário:
Arturo Pérez-Reverte é um dos melhores escritores espanhóis contemporâneos. Pelo menos, é o meu preferido.
Perez-Reverte é um grande narrador de estórias de aventuras; os seus livros envolvem sempre o heroísmo, a bravura, a coragem, mas também a condição humana nas suas mais humildes e modestas facetas. Tudo se passa como se nos seus livros imperassem os opostos: a honra e a desonra, a coragem e a cobardia, o sucesso e o sofrimento. Alguns dos seus livros são profundamente reflexivos, em torno desses aspetos; outros, como este, são predominantemente narrativos, cheios de emoção.
Este é nada menos que o primeiro romance da carreira de Reverte; foi escrito em 1986 quando o autor era ainda jornalista, aos 35 anos de idade. Portanto, este livro é realmente histórico porque marcou a descoberta de um génio que de outro modo se teria perdido no jornalismo de investigação. Mesmo assim, a versão que foi traduzida para português nesta edição da ASA foi revista pelo autor e republicada em 2006.
O tema central da obra irá tornar-se uma constante no percurso literário do autor, por vezes com laivos de obsessão: o eterno conflito entre o idealismo da honra, da nobreza da guerra e a realidade dessa mesma guerra, uma realidade feita de violência e injustiça.
Na época em que Napoleão tentava dominar a Europa (inícios do século XIX) reinava em Espanha um irmão do imperador francês, José Bonaparte, obviamente imposto por Napoleão. Os espanhóis, no entanto, lutavam pelo seu rei e recusavam-se a obedecer ao francês; este invade Espanha e é dessa invasão que dá conta este livro, dando voz a um jovem hussardo (cavaleiro), Frederic, que entra no conflito cheio de vontade de honrar a Pátria, numa guerra que ele encara como forma de defender a civilização, numa perspetiva puramente romântica. Mas a realidade revelar-se-á cruel e dramática. Aquilo que Frederic encontra está longe de obedecer a essa visão romântica; o que ele encontra é o sofrimento humano elevado ao mais alto expoente; é a nobreza de quem combate por uma “Ideia” subjugada pela triste realidade da violência e de tudo quanto há de primário e primitivo.
A “civilização” de Bonaparte nada diz aos rudes e aguerridos camponeses espanhóis que defendem a sua terra com todas as forças. Aqui encontramos outro aspeto que se tornará uma constante no percurso literário de Reverte: uma perspetiva bastante crítica face à mentalidade espanhola, algo rude, violenta, numa teimosia constante que coloca o imediato à frente de qualquer ideal.
O primeiro romance de Arturo Pérez-Reverte, agora numa edição revista pelo autor.
Andaluzia, 1808. Numa terra assolada pelo horror da guerra, Frederic Glüntz, jovem oficial do regimento de cavalaria de Napoleão, prepara-se para a sua primeira incursão num campo de batalha. Na iminência do combate contra um exército aguerrido armado até aos dentes e disposto a morrer pela sua terra, os ensinamentos recebidos por Glüntz na escola militar parecem distantes. Rapidamente, uma realidade carregada de terror e sangue acabará por se impor, conduzindo o jovem hussardo a uma reflexão sobre a morte e o sentido da vida. Para trás ficam os seus ideais românticos de glória e heroísmo, derrotados face à crueldade da guerra.
A eterna luta entre idealismo e realismo, em que este último se impõe graças a uma das mais elementares razões humanas - a sobrevivência -, é aqui retratada em toda a sua crueza e impiedade, mas também com todo o talento e mestria a que Arturo Pérez-Reverte já nos habituou.
8 comentários:
A Tábua de Flandres. O Cemitério dos Barcos Sem Nome. O Clube Dumas. O Assédio. A Rainha do Sul. Mestre de Esgrima. A Pele do Tambor.
Um verão inteiro de bons livros, querendo ficar apenas na companhia de um autor.
Sem dúvida José. O Clube Dumas é o meu preferido mas os livros da série Capitão Alatriste são muito divertidos
Encontrei agora o livro "Rebeca". Será curioso compará-lo com o livro de Carolina Nabuco! Será verdade?
Hoje é dia de procurar Lilias Fraser na estante... Curioso... Está a um palmo d' Os Lusíadas. Premonição?
Rebecca da Du Maurier? Ando para le-lo há anos. C. Nabuco não conheço. Raramente abandono um livro a meio. Aconteceu-me com Helia Correia. Por isso Lilias terá de esperar😊
Parece que Maurier teve acesso ao manuscrito de A Sucessora de Carolina Nabuco. Sendo que só depois é que escreveu Rebeca. Dizem que os livros são muito parecidos... Felizmente Alfred Hitchcock antecipou-se à novela... Ufff!
O Crime do Padre Amaro também tem algo em comum com um livro de Zola... O crime do padre Mouret. La faute de l'abbé Mouret (1875).
Eça de Queiros
"Os críticos inteligentes que acusaram O crime do padre Amaro de ser apenas uma imitação da Faute de l’abbé Mouret não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do sr. Zola que foi talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois títulos induziu-os em erro.
Com o conhecimento dos dois livros, só uma obtusidade córnea ou má fé cínica poderia assemelhar esta bela alegórica idílica, a que está misturado o patético drama duma alma mística, ao Crime do padre Amaro que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada à sombra duma velha Sé de província portuguesa.”
Eça de Queirós, Nota da segunda edição de O crime do padre Amaro, 1880
Machado de Assis
"O próprio Crime do padre Amaro é imitação do romance de Zola, La faute de l’abbé Mouret. Situação análoga; iguais tendências; diferença no meio; diferença no desenlance; idêntico estilo; algumas reminiscências, como no capítulo da missa, e outras; enfim, o mesmo título.”
“O Sr. Eça de Queirós não quer ser realista mitigado, mas intenso e completo; e daí vem o tom carregado das tintas, que nos assusta, para ele é simplesmente o tom próprio. Dado, porém, que a doutrina do Sr. Eça de Queirós fosse verdadeira, ainda assim cumpre não acumular tanto as cores, nem acentuar tanto as linhas; e quem o diz é o próprio chefe da escola, de quem li, há pouco, e não sem pasmo, que o perigo do movimento é haver quem suponha que o traço grosso é o traço exato.”
Machado de Assis, sob o pseudônimo Eleazar, O Cruzeiro, 16/4/1878
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Falava de Helia Correia a propósito do Prémio Camões que hoje foi anunciado...
... Calma, calma... O próprio Eça escreveu: “O crime do padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do sr. Zola, La faute de l’ abbé Mouret, foi escrito e publicado em 1875”. Mas não posso confirmar as palavras de Eça... A minha edição do livro de Zola é da Guimarães Editores, velhinha, não tem nota introdutória nem mais pormenores... O tradutor esse dizem que se chama: Pandemónio... Não sei quando foi escrito o original, nem quando foi dado a ler aos editores...
Por acaso conhecia essa polémica entre os dois génios,Eça e Assis, porque tenho um familiar especialista em Eça de Queirós. mas não conhecia o caso da Daphne du Maurier...
Ainda não li o livro do Zola
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