Comentário:
Fui, noutros tempos, admirador incondicional do existencialismo francês. Mas dessa espécie de paixão juvenil restou apenas Camus. Pelo sentimento, pela crueza do discurso mas, acima de tudo, pela inteligência.
Quanto a Simone de Beauvoir, continuo a admirar a sua sensibilidade, a defesa de causas humanitárias fundamentais mas já não tenho paciência para tanto pessimismo, tanta negatividade.
Expor aos leitores a morte da mãe e, pior que isso, o atroz sofrimento provocado por um cancro terminal, é um exercício de sofrimento para quem lê e para quem escreve. Não vejo, na minha condição de leitor amador, qualquer beneficio que se possa tirar de uma leitura como esta.
Em vários momentos da leitura, este livro fez-me lembrar um quadro de Edvard Munch intitulado precisamente A Mãe Morta; a morte da mãe é um momento que, pelo seu dramatismo e pela carga emocional que transporta, deve ser encarado como um momento profundamente pessoal, pelo que o leitor comum não está preparado para sentir toda essa emoção. Pelo contrário, o leitor sente-se um intruso na intimidade do escritor e do seu sofrimento.
Mas é assim o pensamento existencialista (nesse aspeto este livro é paradigmático): a existência, com todos os seus dramas sobrepõe-se ao pensamento e à reflexão; é o peso do real, da impiedade do destino humano.
Enfim, uma leitura que se aconselha para um bom conhecimento do pensamento da autora e de todo o contexto literário da época (anos sessenta do século XX) mas à qual falta aquela componente lúdica que a literatura deve envolver.
«Na quinta-feira dia 24 de Outubro de 1963, às quatro da tarde, encontrava-me eu em Roma, no meu quarto do Hotel Minerva; devia regressar a casa de avião no dia seguinte, e estava a arrumar uns documentos quando o telefone tocou. Bost ligava de Paris: “A sua mãe teve um acidente”, disse-me ele. Pensei: foi atropelada por um carro. Ela estava a içar-se penosamente da calçada para o passeio, apoiando-se na sua bengala, quando um carro a atropelou. “Caiu na casa de banho; fracturou o colo do fémur”, acrescentou Bost. Ele morava no mesmo prédio. Na véspera, por volta das dez da noite, enquanto subia a escada com Olga, tinham reparado em três pessoas que os precediam: uma senhora e dois agentes da polícia. “É no segundo andar e meio”, dizia a senhora. Tinha acontecido alguma coisa à Senhora de Beauvoir?. Sim, uma queda. Durante duas horas, ela tinha rastejado no chão até alcançar o telefone; tinha pedido a uma amiga, a Senhora Tardieu, para arrombar a porta. Bost e Olga tinham acompanhado o grupo até ao apartamento.»
3 comentários:
O meu tio Júlio era uma besta. Era arrogante até dizer basta e arrotava em público. Uma nódoa. A idade só o piorou. De quando em vez dizia algumas coisas inconvenientes, como naquela vez em que, à porta da igreja, no dia do funeral do Manuel Arruda disse à filha deste: - Era um bom homem, tinha aquela questão de roubar algumas carteiras de vez enquanto mas, tirando isso, vai-me deixar saudades. Veja lá nas gavetas da casa se encontra o meu porta-moedas de pele de vaca, tem o meu nome.
Ainda não acabará já a pobre infeliz aproveitava para se afastar num pranto.
Quem o salvava era o Pintas, o cão que o perseguiu durante uma década. No dia em que o meu tio Júlio morreu o padre lembrou o Pintas, dizendo que todos nós temos alguém que nos ama incondicionalmente alguma vez na vida, no caso do meu tio foi o Pintas, que dormia longas tardes na soleira da porta e não consta que alguma vez tivesse ficado aparvalhado com o que dizia aquele velho Estouvado!
No funeral do tio Júlio a filha do Arruda entregou-nos o porta moedas de pele de vaca, tinha lá dentro um papel que dizia pertence ao Dono do Pintas. O tio Júlio sabia que esta era a forma de lhe entregarem a carteira, mais pelo Pintas que por ele.
Que tem o tio Júlio a ver com a corrente existencialista? Nada, mas o Pintas tinha... À noitinha tinha o hábito de se pôr a ladrar sempre que o jantar tardava. O meu tio aparecia, então, com a malga do cão e gritava...
- Cala-te lá ó existencialista reaccionário!
O cão olhava para a malga e aceitava a sugestão de silêncio do meu tio.
AHAHAH
bela estória!
No entanto, o Pintas podia ser reacionário mas tinha uma vantagem sobre os existencialistas franceses: não era chorão. O Pintas era um existencialista pragmático e deduzo que até um pouco do tipo Carpe Diem. O Existêncialista francês, pelo contrário é um espécime do tipo chorão, maldisposto...
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