Comentário:
Um orfanato e uma fábrica de sidra, numa grande plantação de macieiras, no Maine. Estes são os cenários do livro, os cenários onde viveu Homer Wells, o herói do enredo. No orfanato primeiro e depois na fábrica de sidra, Homer nunca deixou de ser herói (Homer=Homero, o autor da Odisseia e da Ilíada, poemas épicos).
Homer foi sempre um resistente; um herói na arte de saber viver com os problemas; de saber esperar, como ele tantas vezes dizia. No orfanato, o seu mentor, o formidável personagem Wilbur Larch ensinara-o a fazer partos e abortos; em causa estava a liberdade e o direito à vida. O aborto é aqui encarado como um mal necessário para que muitas mulheres pudessem ter uma vida digna.
No orfanato como na casa da sidra é notável a bondade da generalidade das personagens, a fazer lembrar Charles Dickens, tantas vezes referido neste livro. Irving traduz assim uma notável crença na bondade natural do ser humano, mau grado toda a maldade que conduz as mulheres à desgraça de ter filhos indesejados e de procurar abortos praticados por autênticos carniceiros; é por isso que Larch defende o aborto, praticado em condições dignas, como ele o faz.
O aspeto mais curioso do livro é o facto de no mesmo local se praticar o aborto e o parto que dá origem aos miúdos do orfanato; tudo é serviço de Deus, afirmou sempre o Dr. Larch. O orfanato é um mundo nostálgico, onde reina a solidão. A mesma solidão de que sofrem as mulheres que lá abortam. O orfanato está inserido num meio natural, junto da floresta. Nota-se um certo paralelismo entre o mundo natural e uma espécie de “sociedade natural” que se vive no orfanato, onde não há hierarquias.
E toda a problemática do aborto ou dos partos “clandestinos” deriva de regras a cumprir ou a quebrar; no amago do livro está essa realidade – todo o destino é determinado por regras e toda a vida é uma luta constante entre liberdade e cumprimento de regras. Cometer um aborto pode ser crime; e furar um preservativo, como faz um personagem do livro não é crime porquê? As regras e respetivas punições colidem sempre com a procura da liberdade que as personagens encetam. No entanto, liberdade acaba sempre por ser palavra vã: todos são escravos de algo ou de alguém e têm de seguir as respetivas regras. Se as quebrarem terão sempre de se redimir pagando o respetivo “preço”. A regra mais importante é “que não se magoem uns aos outros”. Assim devia ser na sociedade humana.
Enfim, estamos perante um livro cheio de conteúdo, com ideias muito bem ilustradas pela ficção e com um estilo que agrada ao leitor pela fluência, pela objetividade e por um ritmo narrativo notável; a estória principal é muitas vezes acompanhada por pequenos episódios muito bem construídos e inseridos na estória global, o que dá origem a uma narrativa fluente e cheia de interesse.
Sinopse:
A odisseia de Homer Wells começa no meio dos pomares de macieiras do Maine rural. Sendo a mais velha das crianças do orfanato de St Cloud’s que não chegaram a ser adotadas, Homer estabelece uma amizade profunda e invulgar com Wilbur Larch, o fundador do orfanato - um homem de rara compaixão viciado em éter. O que Homer aprende com Wilbur leva-o desde a sua primeira aprendizagem de cirurgia no orfanato até uma vida adulta à frente de uma fábrica de sidra e a uma estranha relação com a mulher do seu melhor amigo.
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