Nikos Kazantzakis ficou mais conhecido por Zorba, o Grego, que deu origem ao filme
e ao tema musical que ficaram na história; ou então pelo livro que deu origem
ao famoso filme de Scorsese, A Última
Tentação de Cristo.
Escrito em 1950, este livro retrata a revolta contra o
domínio turco por parte do povo da ilha de Creta, onde Kazantzakis viveu na
infância. O personagem principal, o capitão Micael (diz-se) retrata o próprio pai
do escritor, o que nos dá uma certa explicação para a escrita dura e brutal de
Kazantzakis. Na verdade, o estilo é duro, impiedoso como o personagem.
Aparentemente, descreve-se uma luta heroica de um povo e de
um homem contra uma dominação tirânica. No entanto, digo “aparentemente”
porque, ao mesmo tempo, esta descrição é feita quase à maneira de uma
caricatura; ao longo do livro o leitor hesita: será isto uma paródia da
revolução ou um elogio dessa mesma revolução?
Talvez a verdade se encontre a meio caminho entre a sátira e
o elogio da revolta. O capitão Micael representa o sacrifício da própria vida
perante a luta contra uma tirania odiosa, exercida pelos turcos.
A aldeia (Cândia) onde se desenrola a ação está dividida
entre cristãos e islamitas que convivem pacificamente até que as autoridades turcas
decidem aumentar a repressão sobre a população cristã, nos finais do século XIX.
É nesse contexto que alguns cristãos pegam em armas e as atrocidades
multiplicam-se. A luta religiosa, o ódio em nome de Deus toma as rédeas da
narrativa até se atingir uma espécie de climax quando o leitor percebe que a
luta já devorou por completo a individualidade dos personagens. Chega-se a um
ponto em que eles já não têm vida própria; tudo se desenrola em função da luta:
ódio, repressão e vingança.
Um dos pormenores que melhor marca este caminhar para o
absurdo é a forma como Kazantzakis nos descreve as crianças: todas as brincadeiras
são marcadas pela luta e a mentalidade infantil é totalmente dominada pelo
ódio; o comportamento das crianças torna-se absolutamente cruel, violento,
mesmo nas brincadeiras mais pueris, até que também elas vejam a sua vida
totalmente preenchida pela luta.
Outro aspeto interessante é a maneira como Kazantzakis nos
apresenta a fé deste povo cristão, uma fé também ela dominada pelo ódio, por um
lado, e pelo absurdo por outro. Por exemplo: Barbaianis, cristão, viúvo
infeliz, bêbado e pobre, vê S. Minas (o patrono da aldeia) sair do altar para
vigiar e proteger a aldeia, em rondas noturnas. Além dos cães, só ele e o louco
Efendinho o conseguem ver.
Este pormenor marca a transição da narrativa para a
caricatura. Paulatinamente, o leitor vai-se apercebendo que o autor vê a luta
como uma espécie de insanidade; as pessoas recusam-se a viver a não ser para a
luta. Tudo gira em função disso. Perde-se a personalidade e todo o sentido da existência.
A humanidade traída pela estupidez da luta. A religião como elemento de
discórdia e de ódio.
O aspeto mais fascinante deste livro é precisamente a forma
como o autor soube, magistralmente, mesclar o horrível com o caricato; o
dramático com o humorístico. Se bem que se trate de uma obra extensa, não deixa
de ser uma leitura agradável e mesmo divertida.
Uma boa surpresa, em suma, este grego Nikos Kazantzakis.
3 comentários:
Gostei de todas as obras deste escritor, que não leio há muito tempo.
Do que não gostei, me desculpe, foi das letras de verificação, rrss
Bom dia.
Olá São
foi graças à sua observação que descobri que era possível desativar as palavras de verificação :)
Obrigado
Estou a ler este livro e concordo consigo!
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