quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

David Copperfield - Charles Dickens


Comentário:
Esta é uma das primeiras grandes obras literárias que denuncia a hipocrisia e a rigidez absurda da moral vitoriana (período histórico que acompanha o reinado da Rainha Vitória, de 1837 a 1901). Este livro, publicado pela primeira vez em 1850, é um testemunho forte da rigidez por vezes brutal de uma educação que encara a criança como um ser naturalmente malévolo, que é preciso civilizar, da mesma forma que, por essa época, os exércitos ingleses impunham a força das suas armas sobre o enorme império britânico. 
Esta época de forte industrialização serve de pano de fundo a uma sociedade que alimenta, cada vez mais, o orgulho britânico, tornando-o inquestionável e seguro de uma vanguarda civilizacional que deveria impor-se a todo o custo, tanto a nível externo como interno; assim se explica a emergência de uma sociedade eivada de injustiças e fortes contrastes sociais. É este o pano de fundo para o surgimento de diversas correntes revolucionárias, das quais o socialismo é o mais lídimo representante. E Dickens foi, indubitavelmente um percursor do pensamento revolucionário da segunda metade do século.
Um dos pontos fortes da arte literária de Dickens é a força das suas personagens; pela positiva ou pela negativa, a maioria delas têm uma personalidade bem definida, como se fossem modelos nos quais podemos encaixar qualquer ser humano. Desta variedade tão rica podemos destacar um personagem fascinante: Uriah Heep, o malévolo sócio de Mr. Wickfield. Trata-se daquele oportunista “lambe-botas” que tão bem conhecemos da vida real, sempre pronto a curvar a coluna vertebral para, hipocritamente, daí tirar o maior proveito. Até o retrato físico do personagem é eficaz, levando o leitor a imaginá-lo como uma autêntica ratazana.
Por oposição, merecem destaque três personagens muito poderosos que se afirmam pela bondade e pelas qualidades humanas: Mr. Dick, Wilkins Micawber e, na parte final do livro, o extraordinário amigo de David, Traddles; os três são algo alienados, ambos com aparência algo idiota. São três corações puros e três homens honestos vítimas da sociedade. 
Por outro lado, o meio em que David se move quando inicia a sua vida profissional é marcado por esse individualismo burguês que serve de base social à dinâmica capitalista liberal, assente sobre o princípio geral da concorrência. E o capitalismo, como sabemos, levou-nos dessa concorrência ao desprezo pela ética e pelo humanismo num abrir e fechar de olhos.
Mesmo assim prevalece ao longo de todo o livro a preocupação de manter o dedo acusatório em riste, sobre uma sociedade injusta e desigual, mais uma vez ilustrada pelo esforço feito pela personagem Mowcher para ser vista como um ser humano normal, mau grado a baixa estatura que a tornava alvo de desprezo. 
Esse dedo acusatório eleva-se de forma eloquente quando Dickens aborda as reações da ”sociedade” à perda da fortuna por parte de David. Na verdade, a necessidade de trabalhar é vista como uma desonra e a eminencia da pobreza é encarada como um fantasma tenebroso. A própria Dora não consegue colocar o amor por David acima desse fantasma que a assombra: a possibilidade de não ter todos os dias uma costeleta de carneiro para dar ao cão.
Aos pobres, a sociedade vitoriana exige, acima de tudo, humildade na aceitação da inferioridade social. No entanto, é forçoso distinguir a humildade honesta, fruto da consciência do seu papel secundário, do Sr.Pegotty da humildade falsa, calculista, do abominável Uriah Heep, esse personagem infelizmente tão atual cujos grandes méritos são a arte do fingimento e uma ambição capaz de o levar às maiores desonestidades e traições. Ontem como hoje.   
Dora é o testemunho implacável da ”cegueira” do amor de David; ela tem uma personalidade pueril, mimada e ideias totalmente ocas. No entanto, na mente apaixonada de David todos esses defeitos são vistos como qualidades.
Também na parte final do livro, emerge a importância vital da emigração para as colónias como meio de fuga às desigualdades e injustiças sociais. Países atualmente tão poderosos como EUA ou Austrália foram, naquela época, o refúgio para muitos pobres, perseguidos, enjeitados e deserdados da injusta sociedade de Sua Majestade Britânica.
O único aspeto menos positivo que podemos apontar a esta obra é a excessiva importância que Dickens dá aos pormenores. Tal preocupação faz com que o livro se torne demasiado extenso (esta edição tem 720 páginas) mas sem nunca deixar de ser uma leitura agradável, tal é a capacidade narrativa do autor.

Sinopse in www.wook.pt:

David Copperfield conta-nos a aventura de um rapaz, desde uma infância infeliz, até à descoberta da sua verdadeira vocação, a de romancista. Entre os fantásticos personagens do livro estão o seu padrasto, Mr. Murdstone; Steerforth, o brilhante, mas desprezível colega de escola; a formidável tia Betsey Trotwood; a humilde e traiçoeira Uriah Heep; a frívola e encantadora Dora; e ainda o "remediado" Micawber, uma das maiores criações cómicas da literatura de todos os tempos.

6 comentários:

Paula disse...

Será um dos meus livro para este ano :) (espero eu)

Jardim de Mil Histórias disse...

Olá!

Também quero muito ler este livro!
Parece ser um excelente livro.

Boas leituras!

Unknown disse...

Vale bem a pena, Paula e Isaura. É grande mas lê-se muito bem

Denise disse...

Gostei tanto, tanto deste livro!
Mas de Charles Dickens ainda não consegui ultrapassar o deslumbramento de "Grandes Esperanças". A história de Pip fica para sempre :)

Unknown disse...

Tenciono ler Grandes Esperanças em breve. Eu também estou encantado com a escrita e, principalmente, com o humanismo e a sensibilidade de Dickens!

Anónimo disse...

Gostei muito, apesar de algumas informações aqui mencionadas se encontrarem incorretas.