sábado, 4 de julho de 2015

O Rei do Volfrâmio - Miguel Miranda

Comentário:
Este livro deixou-me com impressões contraditórias; gostei da capa, apelativa e nostálgica, gostei do subtítulo (A última viagem, com todo o requinte), poético e ao mesmo tempo bem-humorado, uma vez que revela uma referência a uma agência funerária, que está próxima do centro da ação. Gostei ainda e principalmente do estilo do escritor, que eu não conhecia; um estilo direto, bastante visual, fácil e atrativo. Gostei de algumas imagens, como a da referida agência funerária, a dar o toque trágico-cómico bem enquadrado com o regime político e a vida social daqueles tempos. Gostei, da contextualização política e social: os quadros sociais são bem delineados, os cenários bem construídos e todo o contexto da ditadura é fiel à verdade histórica.
No entanto, houve algumas coisas que me dececionaram e é difícil falar disso tendo em conta as qualidades que acabei de enumerar. Acima de tudo, esperava mais, em quantidade de informação. Escolhi este livro para ler porque me interessa bastante o assunto: as negociatas escuras do regime fascista de Salazar com a Alemanha Nazi no que respeita à venda de volfrâmio. É que com esse volfrâmio seriam fabricadas muitas armas e munições assassinas enquanto o nosso ditador procurava sair da guerra com o “mérito” da falsa neutralidade. Mas o livro acaba por ter pouco volfrâmio, para minha deceção; o autor constrói diversos cenários, em dois tempos narrativos, mas desmultiplica esses tempos em contextos diversos, dando à obra um aspeto de mosaico que me desagradou por fugir ao tema central.
Mesmo assim é sem dúvida um autor que merece ser mais conhecido e um livro que merece ser lido. O sentido de humor é muitas vezes refinado e eficaz, se bem que outras vezes algo forçado. 
Deixo para o fim o aspeto que considero mais bem-sucedido no livro: o rigor com que são retratados os diversos tipos sociais; o autor revela um conhecimento bem seguro dos quadros sociais das épocas descritas e consegue com um notável à-vontade, descrever os diversos “bonecos” que correspondem a esses tipos.

Sinopse (in www.wook.pt)
Na primeira metade do século XX, o mundo foi flagelado por guerras sucessivas, que causaram milhões de mortos, destruição e sofrimento. Houve também quem prosperasse com o esforço bélico, como os volframistas. Portugal foi um dos principais exportadores de volfrâmio, durante a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial.
O enriquecimento súbito dos volframistas e a sua queda na penúria do pós-guerra são motivo para uma tese de doutoramento do investigador João de Deus. Mergulhado numa conturbada vida amorosa, investiga o passado de Petrónio Chibante, o Rei do Volfrâmio, explorador da mina Paraíso, em Vilar das Almas. O passado, convocado de forma estranha pela alma de Serafina Amásio, antes de abandonar o corpo, cruza-se com o presente, revivendo amores e desamores de cada época, no lugar recôndito de Vilar e por esse mundo fora.
O Rei do Volfrâmio é a saga de um país e das suas almas, vivendo de um passado faustoso e iluminado, sem canalizar forças para o futuro. É uma reflexão sobre a diáspora e as gerações de novos párias.
É também uma ode ao amor, nas suas mais diversas e estranhas formas. É ainda uma elegia aos que das fraquezas fizeram forças, em nome da razão.

11 comentários:

Carlos Faria disse...

Também desconheço de todo o autor, embora pense que já tenha ouvido uma entrevista dele sobre o livro na Antena 2.
Interessa-me de facto o tema do volfrâmio e do seu impacte socioeconómico em Portugal nesse período. Fiquei com dúvidas se depois o romance consegue passar esse retrato ou se fica desfocado no meio do puzzle.

Carlos Trindade disse...

Sobre o tema: "Último Acto em Lisboa" de Robert Wilson. Muito interessante. Boa leitura para o Verão.

José Passarinho disse...

Li o "Último Acto em Lisboa" de Robert Wilson quando foi lançado em Portugal. É uma excelente reflexão sobre a nossa história contemporânea, feita por um estrangeiro "alentejano"...

Denise disse...

Olá Manuel,

Conheço muito pouco do autor.
Dele sempre quis ler «Todas as Cores do Vento» mas até hoje não se proporcionou.
Apesar de alguns pontos menos positivos que referes, é um autor para considerar não é?

Boas leituras!

Unknown disse...

Carlos Faria, "desfocado" é a palavra certa.Faltou investigação. Faltou História e sobrou Estória, na minha opinião.

Denise, é um autor a considerar tendo em conta que:
a) este foi o seu primeiro livro e nos 4 ou 5 que já publicou depois disso presume-se que tenha havido evolução
b) o livro tem qualidade enquanto entretenimento. Chega a ser bastante divertido embora caindo por vezes no humor fácil

José Passarinho disse...

Manuel, conhece "O Don Tranquilo" de Mikhail Chólokhov, estou a tentar encontrar há dias... Já sei que há uma tradução para o português mas quem consultei até aqui não leu ou desconhece o autor. É o autor que ganhou o Nobel em 1965.

Unknown disse...

li algo sobre o autor mas nunca li nada dele. Acho estranho como um comunista do sistema foi escolhido para Nobel. Já tive curiosidade de estudar o assunto mas não me tem apetecido...
E a escrita dele será apologética? Crítica não deve ser, senão teria sido banido...

José Passarinho disse...

Parece mais apologético. E, ainda assim Nobel em 1965. Olha que vale a pena estudar o assunto...

Mikhail Aleksandovich Sholokhov (n. 24 de maio de 1905, m. 21 de Fevereiro de 1984). Romancista russo, nascido em Veshenskaia, localidade cossaca da região hoje conhecida como Kamenskaya, banhada pelo rio Don, no sudeste da Rússia, ganhou o Prémio Nobel de Literatura em 1965. De família humilde e origem camponesa, foi educado em escolas locais e lutou (1918-1919) ao lado dos revolucionários que derrubaram o regime dos czares. Entrou para o Exército Vermelho (1920), morou dois anos em Moscovo (1922-1924), após o que regressou à sua terra natal. Dedicando-se à literatura, estreou-se com a colecção de contos “Donskie Rasskezi” (1926), marcando desde então o seu estilo: a descrição, com grande vigor e realismo, da evolução da sociedade do seu país, em particular dos povos cossacos, no transcorrer do século XX, como grande conhecedor dos costumes campesinos e da sua profunda percepção do relacionamento entre o homem e a natureza. O romance que o tornaria célebre é “Tikhi Don” (1928-1940), na tradução portuguesa “O Don Tranquilo”, um grande relato épico e histórico da vida política dos cossacos, depois do triunfo da revolução comunista e que lhe valeu o Prémio Stalin (1941). Tornou-se membro da Academia de Ciências Soviética (1939) e depois foi vice-presidente da Associação de Escritores Soviéticos. Ganhou ainda o Prémio Lenin (1960) e foi nomeado membro do comité central do Partido Comunista (1961). Morreu em Veshenskaia, na Rússia, com a sua obra em pleno reconhecimento internacional, composta também de outros grandes sucessos como “Podniataia Tselina” (1932-1959), “Oui Srazhalis za rodinu” (1942) e “Sobranie sochineny” (1956-1960).

Unknown disse...

já anotei "para ler"
obrigado

Anónimo disse...

Tenho os 2 tomos de Dom Tranquilo, uma edição antiga.
Mas comprei na Fyodor Books em Lisboa, ou seja, já usados.
Só assim se encontra.

Anónimo disse...

Há uma outra edição de 3 tomos. Esqueci-me de escrever no comentário anterior