Esta é a última das obras monumentais de Follett que ainda
não constava da minha lista de livros “lidos”. Trata-se de uma espécie de
continuação de Os Pilares da Terra, uma vez que a ação deste primeiro volume
inicia-se em 1327 e família de Caris, protagonista da obra, é descendente de
Tom Builder, padrasto de Jack Builder construtor da Catedral 200 anos antes.
Neste comentário abordo apenas o conteúdo do volume 1.
Caris parece ser
o protótipo da criança inteligente, que questiona. É essa a base da
inteligência e da desgraça. Na idade média e não só, mas nesse tempo de uma
forma mais dramática. Ser esposa ou freira era o destino normal de qualquer
mulher. Quando, em criança, afirmava escolher ser doutora todos riam da
infantilidade. Mas Caris viria a ser a mulher do novo mundo; do mundo de fuga
ao obscurantismo.
Ao mesmo tempo, o tio, Godwyn,
frade com 21 anos quer estudar em Oxford. O seu tio, Anthony responde-lhe que
estudar é perigoso porque põe em causa a fé. Godwin, no entanto, não está
interessado em estudar para ampliar conhecimentos mas para obter poder. E assim
ele se transformará no “mau da fita” deste primeiro volume.
No que respeita à condição feminina, pouco mudou em relação
a Os Pilares da Terra; já no que respeita à educação, há alguns progressos que
ficaram na história com a afirmação das universidades: elas serão centros de
cultura laica, ou pelo menos não tão dependente da religião, e ciências como a
medicina começarão a beneficiar desse progresso. Mas eram muitos os obstáculos,
um dos quais o financiamento dos estudos, que deixava as universidades e os
alunos muitas vezes dependentes da igreja.
O livro dá uma ideia bastante positiva da Igreja inglesa do
século XIV, tendencialmente mais moderna, mais aberta, do que a da “velha
Europa”. No entanto, o conservadorismo surge como um recurso de personagens
oportunistas que nele se refugiam para, com os seus argumentos retóricos
fazerem prevalecer as suas opiniões e assim materializarem as suas ambições
pessoais.
Um dos aspetos em que o livro mais brilha é na forma clara,
correta e mesmo divertida com que nos traça o quadro mental, social e económico
daquela época.
A cidade imaginária de Kingsbridge vive da produção e
transformação da lã. É inegável a importância da lã inglesa na economia
europeia, ainda 300 anos antes da revolução industrial. Os têxteis eram em grande
parte responsáveis pela prosperidade inglesa, em contraste com uma Europa
continental ainda demasiado feudal. Da mesma forma eram importantes as guildas
como forma de proteger os artesãos ingleses; elas representam uma espécie de
protecionismo, algo estranho mas eficaz, no contexto proto capitalista da
época. No entanto, Follett mostra-nos bem como esse protecionismo pode ser
prejudicial. Ontem como hoje…
Ao mesmo tempo, para trilhar os caminhos da modernidade e da
liberdade, Follett leva-nos a assistir ao renascimento dos burgos (cidades)
que, com os seus cidadãos livres (burgueses) contribuem decisivamente para a
centralização do poder real. Assiste-se em Inglaterra a uma espécie de aliança
entre povo (mais concretamente burguesia) e o rei, o que muito contribuiu para
o fim dos laços de dependência pessoal.
Todo este contexto testemunha uma coisa: há mudanças profundas
antes do Renascimento! Esta fase final da Idade Média é tão revolucionária como
os tempos de Da Vinci.
Merthin é o prenúncio do homem renascentista. Em Inglaterra!
… por oposição a Elfric, sempre fiel à
tradição. Interessante perspetiva de um pormenor que muitas vezes é
desconhecido: é precisamente no final da Idade Média que as casas passam a ter
compartimentos, anunciando um novo conceito de privacidade e, consequentemente,
um novo conceito de moral privada. É importante reter que tal mudança não se
deve atribuir ao renascimento, com a sua moral individualista e burguesa, mas
sim a uma espécie de pré-renascimento medieval que Follett interpreta na
perfeição.
Ralph simboliza o cavaleiro medieval, corajoso por obrigação
e oportunista por natureza.
Caris é a mulher inteligente, logo, a bruxa. Mas o advento
do renascimento talvez não altere significativamente essa situação.
E o esclarecimento de uma dúvida que existe na mente de
muitos de nós: como começar a construir os pilares de uma ponte, tendo em conta
que o rio pode ter vários metros de profundidade? Follett responde, também, a isso.
Mais uma vez, Follett traduz-se por Fabuloso.
À semelhança de Os Pilares da Terra Ken Follett volta ao registo do romance histórico, numa obra dividida em duas partes graças às quase mil páginas que a compõem. A Presença publica agora o primeiro volume de Um Mundo Sem Fim, que se prevê repetir o sucesso de Os Pilares da Terra. O autor sentiu-se bastante motivado a escrever este novo livro já que desde Os Pilares da Terra, publicado em 1989, os leitores de todo o mundo clamavam insistentemente por uma sequela. Finalmente Follett inspirado e com coragem e determinação, sem esquecer uma enorme dedicação, lançou-se na escrita de Um Mundo Sem Fim, a continuação de Os Pilares da Terra, onde recorre a elementos comuns do primeiro livro e dá vida a descendentes de algumas personagens. Recuperando a mesma cidade Kingsbridge, o cenário é ambientado dois séculos mais tarde onde nos transporta até 1327. Aí iremos ao encontro de quatro crianças que presenciam a morte de dois homens por um cavaleiro. Três delas fogem com medo, ao passo que uma se mantém no local e ajuda o cavaleiro ferido a recompor-se e a esconder uma carta que contém informação secreta que não pode ser revelada enquanto ele for vivo. Estas crianças quando chegam à idade adulta viverão sempre na sombra daquelas mortes inexplicáveis que presenciaram naquele dia fatídico. Uma obra de fôlego com a marca assinalável e absolutamente incontornável de Ken Follett.
6 comentários:
Tb li este livro. Fenomenal, como Ken Follett nos habituou...
Gostei muito dos pilares da terra, mas duvido voltar a curto prazo a Ken Follett. Ainda bem que gostou.
Manuel!
E não seria o teu blogue especial ao começar a "esquecer-se" de atualizar os teus posts ;)
Ken Follett. Assim como o Carlos, adorei os "Pilares da Terra" mas não sei quando voltarei a ler o autor. O último livro dele desperta-me alguma curiosidade...
Beijinhos e boas leituras!
Olá Denise
regra geral só atualizo o blogue quando acabo de ler um livro. E como ultimamente tenho lido calhamaços maiores... :)
Não percebeste o que eu disse..., estava a referir-me ao próprio blogue que não atualizou o teu último post. Entretanto atualizou e já aparece :)
Boas leituras!
é um problema bastante chato do blogspot. Por vezes essas atualizações nem chegam a aparecer
Enviar um comentário