A poesia deste livro nasce logo no título: a “varanda” é Moçambique, na expressão de Eduardo Lourenço, lembrando o aspecto geográfico do país, debruçado sobre o Oceano Índico. O frangipani é uma árvore de Moçambique que tema a característica peculiar de perder toda a folhagem no momento da floração. É uma árvore que morre e renasce; ou apenas uma árvore que, como o país que Mia Couto lamenta, perde a memória?
Sepultado sob o frangipani, Ermelindo Mucanga não encontra a paz porque não fora despedido da vida como a tradição mandava. Por isso consultou o pangolim, animal escamoso, seu companheiro subterrâneo, que o aconselhou a regressar aos vivos para morrer de novo. Para remorrer e assim ser sepultado em paz.
Ermelindo encarna então um polícia encarregado de investigar um assassinato num asilo de velhos. Aí ele testemunhará os maus tratos e a agonia daqueles velhos que são a tradição, a alma de Moçambique, que os políticos e o povo desprezam.
Mia Couto tem magia nas palavras. Este é talvez o livro mais singelo e mais objectivo deste magnífico escritor moçambicano. Numa prosa, como sempre, marcadamente fiel à alma e ao falar de Moçambique, Mia Couto presenteia-nos com uma linguagem poética que nos faz muitas vezes pausar a leitura para sorrir, reler, fechar os olhos e saborear as palavras.
No coração da mensagem está a tradição, os antigamentes onde tudo começou. Uma tradição espezinhada pelos homens e pela guerra, ao ponto de Ermelindo hesitar se quer regressar aos vivos: “Como está a minha terra, não me apetece”…
Na terra dos homens, os velhos vão morrendo; e não é apenas de velhos corpos que se trata; é a tradição que morre, é a alma do povo, assassinada por guerras e ódios. Marta Gino, a enfermeira que dorme nua sobre a terra, sentencia: “Se fôssemos seguidores da tradição, sabe o que fazíamos? Devíamos fazer amor”…
Gina, assim como os velhos do asilo, guardam o segredo que ninguém parece querer conhecer: os homens, a terra, as pedras, as árvores, os animais, todos são irmãos. Porque no princípio, era tudo homens; até que os deuses acharam que todos eram muito iguais; e então transformou alguns em pedras, animais, árvores, etc. É por isso que somos todos parentes de tudo o que existe na terra… mas os homens não querem saber disso… são egoístas e violentos. E a alma de Moçambique entristece como aqueles velhos que vão perdendo o riso, depois os sonhos e por fim as palavras: “é essa a ordem da tristeza”…
Ermelindo volta para o coração da terra. A terra de onde tudo nasce; a terra que nenhuma guerra destrói. A Terra que vive no coração dos homens.
No final, da terra onde se enterram as armas, voaram andorinhas…
Imagem retirada daqui
3 comentários:
Adorei simplesmente esta história de Mia Couto.
Do autor apenas conhecia alguns contos, mas agora quero ler muito mais da sua obra!
Já tenho na lista "Jesusalém" e "Venenos de Deus, Remédios do Diabo", a ver se os compro agora nas feiras do livro que já começaram pelos algarves. ;)
Este, se não estou em erro, foi o primeiro livro que li do Mia Couto. Foi há tantos anos que já não me lembrava da história. Só me lembro que gostei... Tenho de reler os livros dele.
N. Martins e tonsdeazul, acho que este é o livro "menos excelente" que já li do Mia Couto.
Acho a sua escrita poética absolutamente FANTÁSTICA.
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