Desde que li esta opinião fiquei ansioso por ler este livro. E as expectativas, altíssimas, com que parti para a leitura foram correspondidas. Mau grado as suas setecentas páginas, é um livro que se lê de forma muito agradável, cheio de suspense e mistério. No entanto, não se pense que é uma leitura inócua: o tema abordado é inquietante e deixa-nos a reflectir sobre a facilidade com que se comete um crime e sobre as consequências que um acto criminoso acaba por ter na vida de um ser humano. Considero este título algo pobre, demasiado simplista para o alcance da obra (note-se que a tradução respeita o título original).
Seis estudantes de Grego, numa universidade do Vermont, entregam-se ao estudo exaustivo e quase fanatizado da antiguidade grega. A civilização helénica, a sua língua e filosofia invadem as mentes dos estudantes levando-os à encenação de um ritual dionisíaco de onde resulta a morte, aparentemente acidental, de um homem.
Se grandes escritores e filósofos valorizaram o conhecimento como meio de alcançar a felicidade, outros o encaram como fonte de suplícios. É esta a linha que este romance parece seguir: o conhecimento, descontrolado e fanatizado, conduziu estes jovens a uma dramática alienação dos seus espíritos.
A parir daí o remorso e as convulsões da consciência dos seis jovens conduzem-nos a uma espiral de loucura que desembocará num outro crime, precisamente o assassinato de um dos jovens pelos seus companheiros. Este desenlace, anunciado no início da obra está longe de ser o ponto final na estória. Os acontecimentos inesperados sucedem-se e, num ritmo crescente, os cinco jovens encaminham-se para atitudes cada vez mais estranhas mas perfeitamente explicáveis pela admirável análise psicológica de Donna Tartt. O desregulamento emocional e psicológico dos personagens vai muito além do remorso: trata-se de uma inquietação que os persegue como se as suas vidas ficassem condenadas a conviver para sempre com os fantasmas vivos das vítimas. Chegámos ao final do livro com a sensação de que as vítimas não são apenas os que morreram mas também aqueles que mataram.
Já ouvi mais que um criminalista afirmar que qualquer um de nós, qualquer ser humano, é capaz de matar. Isto, evidentemente, em determinadas circunstâncias e perante determinadas motivações. E a naturalidade com que surgem estes crimes, a forma lógica como são apresentados leva-nos a pensar isso mesmo: chaga-se a um determinado ponto em que o assassínio parece ser a única saída lógica para aquelas situações. É isto que inquieta o leitor deste livro: a naturalidade com que se mata e a capacidade que o assassino adquire de se alhear de quaisquer consequências para terceiros.
Um livro brilhante pela emoção mas também pela capacidade de desassossegar o leitor. Divertir e desassossegar, ao mesmo tempo: eis o que só os génios conseguem. Tartt conseguiu.
Imagem retirada daqui
2 comentários:
Manuel, sou um fanático, não de toda a Donna Tartt, mas de A História Secreta. Fiquei a meio de outro livro dela. A História Secreta é arrebatador. E uma personagem como Bunny é complexíssima, engraçadíssima, detestável e adorável. (Lembra-se do jantar que ele oferece ao narrador? Brilhante, hein?). Uma pergunta, já agora (cuja resposta, fosse qual fosse, me não faria deixar de continuar fã da obra). Acha que um grupo de alunos tão à margem, com um único professor, em torno praticamente só9 do Grego, faz sentido, é verosímil numa universidade? Sempre mo pergunteui...
Olá José
é, de facto, um livro genial.
A situação que refere é, na minha opinião, perfeitamente verosímil tendo em conta o contexto que Tartt constrói. E diogop isto tendpo em conta:
1- a idade e a história pessoal de cada um dos alunos, todos eles com problemas ao nível da personalidade, todos eles procurando uma identidade própria, uma espécie de afirmação pessoal
2- a temática do estudo: a mitologia grega é o assunto que mais mistério pode suscitar. Um envolvimento p+rofundo nesses temas ajuda a construir esse mundo fictício, esse "descolar" da vida que os alunos empreendem
3- A figura do professor, aliada à idade dos alunos, facilita uma certa idolatria que também é bastante verosimil. Lembro-me de, na minha vida como estudante ter feito parte de uma equipa de aprendizes de arqueologia, tendo um professor que adoptamos como amigo, uma espécie de guia ou irmão mais velho. Tenho a certeza que se ele nos tivesse proposto trabalhos mais arrojados ou menos claros, nós não teriamos hesitado em empreendê-los.
4- o tipo de ensino universitário nos EUA favcilita a relação professor/alunos e o trabalho de grupo. Não há esta tradição de grandes turmas, como em Portugal mas sim a constituição de pequenas equipas de investigação que facilita também esse envolvimento com o professor.
Resumindo, naquele contexto, com a habilidade de Tartt tudo se torna verosimil neste livro.
UM abraço
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