Quem está habituado a confrontar-se com as sofridas personagens de Dostoievski, com os seus profundos dilemas morais, com as culpas e redenções de que são feitas as suas vidas, não deixa de ficar absolutamente surpreendido com a natureza satírica e cómica do primeiro conto desta obra: O Crocodilo, um conto infelizmente incompleto de Dostoievski.
Trata-se da história fantástica de um homem que, num centro comercial, é engolido inteiro por um crocodilo em exposição. Aquilo que à partida seria uma grande desgraça é descrito da forma mais surrelista que se possa imaginar. O “engolido”, que permanece vivo, vai falando para o exterior e em breve se apercebe que está numa situação bastante cómoda, da qual pode tirar grandes dividendos, nomeadamente sob a forma de dinheiro e fama. À sua volta, muitos procuram explorar ao máximo a situação. E o seu único amigo, aquele que o tenta libertar, vai esbarrando com uma tremenda máquina burocrática. Os burocratas chegam mesmo a equacionar a hipótese de considerar lesado o dono do crocodilo porque o homem se meteu lá dentro, invadindo propriedade privada.
Também a situação profissional do “engolido” é muito dúbia: estará ele prisioneiro, ou em férias, ou em serviço?
Mas à medida que o tempo passa vêm ao de cima as evidentes vantagens económicas de manter o homem na barriga do animal: um crocodilo com um homem dentro rende muito mais dinheiro em qualquer exposição. Além disso, o próprio se dá conta que naquele estado poderá ser muito útil à humanidade, estudando o crocodilo por dentro e dedicando-se à reflexão. É certo que seria considerado, por alguns, como um mandrião. Mas não são mandriões os grandes homens da governação e dos negócios?
O segundo conto, Lázaro, de Leonid Andréev, é uma bela e fantástica reconstituição da vida de Lázaro depois de ter sido ressuscitado por Jesus Cristo.
Lázaro venceu a morte, diz a Biblia. Andréev diz-nos que ele a transportou consigo depois de ressuscitado. Por todos os sítios onde Lázaro passasse, os homens que o olhassem nos olhos, comungariam dessa morte. E Lázaro, com a morte no corpo e na alma, espalharia a mais profunda escuridão… A morte, afinal, era invencível. Nem a ressurreição teria sido capaz de a vencer.
A morte é também o tema do terceiro e último conto: A Morte de Ivan Illitch, de Leon Tolstoi. Já escrevi em vários sítios que este conto, ou pequeno romance, é uma obra-prima da literatura mundial. É uma visão absolutamente sublime da morte. O comentário a esse conto encontra-se aqui.
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