Esta dimensão de contrapoder é algo que me fascina na literatura
norte-americana, dimensão essa que podemos facilmente identificar em três momentos
históricos bem definidos: antes da segunda guerra mundial, a famosa geração
perdida que nos legou nomes como John Steinbeck, Scott Fitzgerald ou Ernest
Emingway. Depois, após esse tremendo abalo que a humanidade sofreu, a Segunda
Guerra Mundial, surge-nos esta geração Beat, ou Beatnik, um tremendo grito de
revolta em que se insere Jack Kerouac, assim como outros nomes sonantes, tais
como William Borroughs e Allen Ginsberg. E como terceiro episodio do contra
poder literário americano, destaca-se na atualidade nomes tão geniais como Paul
Auster e Phillip Roth.
Não há dúvidas que a literatura americana é verdadeiramente contestatária
e este livro de Kerouac é um autêntico marco histórico no processo. Pela
Estrada Fora transformou-se num verdadeiro hino da geração Beatnick pela forma
despretensiosa, descontraída e rebelde com que o autor encarou a escrita.
Neste livro não há uma estória ou um enredo no sentido tradicional
do termo; há uma descrição “ao correr da pena” de uma vida errante e
fascinante, a de Dean Moriaty, o amigo que encaminha Sal, alter-ego do autor, pelas viagens loucas que empreendera pelos EUA
e México no final dos anos quarenta.
Trata-se de um livro errante, sobre gente errante; gente que
desacreditou do destino cor de rosa que o mundo do plano Marshall prometia. Se,
por um lado, era de esperança o futuro de um mundo livre do pesadelo nazi e
cheia de vontade de ver crescer o capitalismo triunfante, por outro lado,
crescia a dúvida sobre uma sociedade cada vez mais alienada pelos valores
materiais.
É neste contexto que o movimento Beat surgia como um grito
de revolta, uma voz de liberdade pessoal mas nunca desprovida do sentido
solidário que a vida moderna parecia querer desprezar.
Por outro lado, o hedonismo como única via de resposta à alienação da sociedade capitalista; um hedonismo que, contraditoriamente, conduz à alienação pelas drogas e pelo álcool. No entanto, este hedonismo é também a expressão da liberdade e da honestidade perante a vida. Dean Moriaty conduz a alta velocidade, de troco nu: de peito aberto face ao futuro e à sociedade; mas toda a vida de Dean é conduzida, também, pela generosidade de uma vida em que o mal, o ódio e o egoísmo não existem.
São estes valores de
liberdade e solidariedade que viriam a dar origem ao movimento Hippie. E
Kerouac, com este livro, teve uma importante palavra a dizer no processo.
Enfim, um livro que se lê de forma agradável. Em que são descritas
as viagens de Sal, Dean e seus amigos pelos EUA do pós-guerra, mas também
viagens num outro sentido: pelos mundos alternativos da droga e do álcool como elementos
de libertação. Um livro perturbador mas, acima de tudo, um grande marco
histórico na literatura do século XX.
Curiosamente, anunciou-se há pouco tempo uma adaptação ao cinema deste livro: On de Road, no seu original. O filme promete, com a realização de Walter Salles, que fez um trabalho magnífico em Diários de Che Guevara.
Podem ver o trailler aqui:
2 comentários:
Já li este livro há mais de 20 anos e, na altura, adorei... Tive vontade de meter a mochila às costas e ir ver mundo, sei lá! :)
Bom domingo!
Ainda não li nada deste autor e por instantes, quando aqui entrei, confundi com "A Estrada" de Cormac McCarthy...
Fiquei bastante curiosa, e gostei especialmente do trailer.
Boas leituras!
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